49 ANOS DO DESAPARECIMENTO FÍSICO DE MAO TSÉ-TUNG.
Artigo de opinião por Lucas Zubelli
Há 49 anos desaparecia Mao Tsé-Tung, e com ele não se encerrava um ciclo, mas abria-se uma ferida ardente na história, daquelas que não cicatrizam facilmente. Seu gesto político foi o de um criador que recusa a cópia e ousa inventar. Diante da velha China semi-feudal e semicolonial, Mao ergueu uma nova forma de poder, ancorada no campesinato e na peculiaridade do solo chinês. Não se tratava de repetir mecanicamente a experiência russa, mas de escavar o próprio caminho. Como escreveu: “Devemos partir das condições reais de nosso país, e não dos livros” (Sobre a prática, julho de 1937). Eis a política como criação vital, não como catecismo.
No terreno da luta armada, Mao não se limitou a aplicar fórmulas militares. Ele transvalorizou a guerra, convertendo o que parecia fraqueza em força, atraso em vantagem. Guerrilha, emboscada, mobilidade, paciência: tudo isso formava não apenas uma tática, mas uma filosofia da guerra. Ele ensinava: “O inimigo avança, recuamos; o inimigo acampa, perturbamos; o inimigo se cansa, atacamos; o inimigo recua, perseguimos” (Problemas estratégicos da guerra de guerrilhas contra o Japão, maio de 1938). Assim, a guerra deixou de ser espetáculo dos poderosos para tornar-se respiração das massas.

A vitória contra o imperialismo japonês e contra o Kuomintang foi menos o triunfo de armas sofisticadas e mais a vitória de uma nova forma de organização social, onde o exército popular era extensão viva do povo. Mao insistia: “O poder nasce da ponta de um fuzil” (Problemas da guerra e da estratégia, novembro de 1938), mas esse fuzil não era mercenário: era o prolongamento da mão camponesa, da vontade coletiva que desejava uma vida nova. Assim, o campo, desprezado pelos generais tradicionais, tornou-se a base de um poder que alcançaria Pequim.
No plano teórico, Mao levou ao limite a dialética. Ele recusava a visão estática do socialismo como etapa concluída e lembrava que a contradição é motor da vida. Escreveu: “A contradição está presente em todas as coisas, e a luta dos contrários é a essência de todo movimento” (Sobre a contradição, agosto de 1937). Não havia descanso, não havia repouso: mesmo a vitória era apenas nova forma de combate. Nisso, sua filosofia se aproxima da própria pulsação da vida, como um vir-a-ser incessante.
A Revolução Cultural, por mais contraditória e trágica que tenha sido, partia desse mesmo impulso: impedir que a revolução se tornasse pedra, que a vitória se petrificasse em burocracia. Daí seu grito: “É justo rebelar-se contra os reacionários!” (Cartaz da Revolução Cultural, 1966). Mao não queria apenas consolidar conquistas, queria mantê-las em ebulição, como se toda estabilidade fosse já prenúncio de decadência. Era o gesto de quem sabe que o novo só nasce da ruptura e que o perigo da restauração capitalista está sempre à espreita.
No conjunto, Mao deixou ao mundo não apenas uma revolução vitoriosa, mas uma herança de pensamento que segue interpelando. Sua política, sua estratégia militar e sua teoria são, cada uma à sua maneira, expressões de um mesmo princípio: o de que a vida se move pelo conflito, e que recusar o conflito é recusar a própria história. Ele sabia que o socialismo não é repouso, mas luta contínua, e que o povo, organizado e consciente, é capaz de transformar a realidade. Daí sua máxima: “Sem destruição não pode haver construção; sem tempestade não pode haver calmaria” (Sobre as dez grandes relações, abril de 1956).
Lucas Zubelli – Militante da Liga Comunista Brasileira – LCB
