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Resoluções.

Sumário.

Apresentação.

Este Caderno de Resoluções é produto da Conferência Nacional de Unificação, realizada nos dias 26 e 27 de abril de 2025 na cidade de Campinas – SP, que fundou a Liga Comunista Brasileira – LCB, a partir da fusão entre as organizações Iniciativa Comunista e Organização Comunista Arma da Crítica.
Este salto organizativo, bem como o conteúdo teórico-político aqui consolidado, resulta de um processo de aproximação política e prática que foi paulatinamente construído por ambas as organizações, desembocando na construção da Conferência Nacional de Unificação com amplo debate coletivo desde as bases, passando pelo debate das pré-teses e pela Tribuna de Debates.
A LCB reivindica a tradição dos comunistas brasileiros desde 1922. É uma organização que tem o socialismo no seu horizonte estratégico, ao mesmo tempo em que trabalha para dar coesão às lutas cotidianas dos trabalhadores e do povo.
No artigo 2º dos seus estatutos, aprovados na Conferência de Unificação, a LCB “tem como princípios: a) a defesa incondicional das aspirações e interesses da classe trabalhadora; b) o internacionalismo proletário e a autodeterminação dos povos; c) a luta antiimperialista e antifascista; d) a defesa da soberania nacional e das liberdades democráticas; e) a unidade da luta dos trabalhadores e dos setores populares contra a exploração e a opressão; f) o acesso à terra para quem nela trabalha e a preservação do meio ambiente; g) a defesa dos povos indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas à
terra, a água e a seus modos de vida tradicionais; h) a emancipação da mulher, a superação do racismo, da LGBTFobia, do capacitismo e do etarismo; i) a luta por uma sociedade justa, fraterna e solidária, a sociedade socialista, rumo ao comunismo”.

Princípios Teóricos.

1. Reafirmamos o marxismo-leninismo como espinha dorsal teórica e política, reivindicando todo o seu legado de lutas e revoluções anticoloniais, proletárias e populares, partindo de uma análise concreta das particularidades da formação social brasileira e do momento atual. Defendemos, com seus erros e acertos, todas as experiências de construção do socialismo, rejeitando a autofobia que se manifesta em perspectivas burguesas como a teoria do totalitarismo. Devemos combater, igualmente, o revisionismo e o dogmatismo, retomando os pressupostos fundamentais do materialismo histórico-dialético desenvolvidos nas obras de Marx, Engels e Lênin, calibrados com contribuições marxistas nacionais e contemporâneas.

2. Reconhecemos que a tensão entre a defesa da ortodoxia marxista-leninista e a necessidade de adaptação criativa às particularidades locais e contemporâneas é um desafio teórico e prático inerente a qualquer projeto revolucionário. Essa tensão, longe de ser ignorada, é parte constitutiva do materialismo histórico-dialético, que exige análise concreta de realidades concretas. Condenar o revisionismo não significa rejeitar contribuições teóricas novas ou ajustes táticos, mas sim preservar os princípios fundamentais do marxismo-leninismo — como a luta de classes, a ditadura do proletariado e a superação revolucionária do capitalismo —, evitando que sejam diluídos ou subordinados a interesses alheios à emancipação da classe trabalhadora.

3. A incorporação de contribuições marxistas nacionais e contemporâneas só é válida se orientada pela fidelidade a esses princípios, jamais como ruptura ou negação deles. A linha entre “atualização criativa” e “revisionismo” só é ambígua quando falta clareza teórica, política e programática. Por exemplo, o leninismo, e suas derivações, atualizaram o marxismo ao analisar o imperialismo e a revolução em países de capitalismo tardio, sem abandonar a essência revolucionária da teoria. Da mesma forma, no contexto brasileiro, é possível – e necessário – desenvolver análises específicas sobre elementos próprios do capitalismo dependente: o latifúndio, o caráter da burguesia nacional associada ao imperialismo, a superexploração da classe trabalhadora, as características culturais da nação, a herança da luta indígena e quilombola, entre outros elementos, sem recair em ecletismos ou concessões à ordem burguesa. Por princípios do marxismo-leninismo entendemos as contribuições teóricas e categoriais do método materialista histórico-dialético, a práxis revolucionária, a luta de classes, a ditadura do proletariado, e a contribuição de Lênin para a atualização e aprofundamento criativo do marxismo por meio de elementos como a análise sobre o imperialismo como fase superior do capitalismo, as questões de organização referentes ao centralismo democrático e a crítica ao oportunismo e ao esquerdismo.

Como superar essa tensão?

4. Critério materialista: Toda adaptação teórica deve partir de uma análise rigorosa das relações materiais – econômicas, sociais e políticas – do Brasil, nunca de abstrações desconectadas da luta de classes. A ortodoxia do método materialista histórico-dialético não se confunde com o dogmatismo e possibilita a incorporação de elementos dos avanços tecnológicos, científicos e artísticos produzidos pela humanidade, desde que elaborados criticamente e interpretados sob os pressupostos do próprio materialismo histórico-dialético.

5. Unidade dialética entre teoria e prática: Como indicado acima no ponto 3, as contribuições contemporâneas só são válidas se comprovadas na prática revolucionária, fortalecendo a organização proletária e a construção de poder popular.

6. Controle democrático da linha política: A definição do que é “revisionismo” ou “atualização legítima” não pode ser arbitrária — deve emergir do debate coletivo, da crítica, da autocrítica e da vinculação orgânica com as massas trabalhadoras.

7. Assumimos que esse equilíbrio exige vigilância teórica constante e humildade para corrigir rumos, sem cair no dogmatismo estéril ou no oportunismo pragmático. Trata-se de um campo de luta ideológica a ser enfrentado com ferramentas do materialismo histórico-dialético.

8. As transformações atuais na conjuntura internacional precisam ser compreendidas considerando-se a crise estrutural (sistêmica) do capitalismo, evidenciada a partir dos anos 1960, e a hegemonia imperialista dos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial. Hegemonia que hoje enfrenta o contraponto das articulações de potências como Rússia e China, a exemplo do Brics.

9. Tudo isso acontece ao mesmo tempo em que o imperialismo, para superar os efeitos da crise de 2008, acentuou as relações de dependência e os mecanismos de espoliação colonial e semicolonial. Esse contexto se torna altamente conflitivo, pois o imperialismo estadunidense, com apoio dos Estados vassalos da Europa, torna-se ainda mais agressivo e violento. Por isso devemos praticar o internacionalismo proletário, prestando apoio aos partidos comunistas e outras organizações de luta, bem como às experiências anti-imperialistas, anticoloniais e socialistas ao redor do mundo.

10. Se consideramos que a lei geral da acumulação capitalista necessariamente leva ao monopólio, e que o imperialismo é expressão da fase monopolista do capitalismo, com a fusão do capital bancário e industrial (financeirização), concluímos que não há como separar a luta anti-imperialista da luta antimonopolista, ou seja, a luta contra a própria ordem vigente, que na particularidade brasileira também passa pela luta contra o latifúndio. O capital financeiro, os monopólios e o latifúndio, associados ao imperialismo, tornam-se os principais inimigos.

11. A crise política, econômica e social vivida pelo povo brasileiro é resultado da estratégia do imperialismo associado à burguesia brasileira. O golpe de 2016 buscou aprofundar o caráter altamente regressivo da economia brasileira, como produtora de artigos agrícolas e minerais baratos para exportação. A indústria foi ainda mais destruída. A rede de proteção social e dos trabalhadores está sendo desmontada.

12. O capital financeiro se torna a fração hegemônica. O espírito da burguesia brasileira não é mais o de estimular qualquer nível de desenvolvimento econômico, mas assaltar o patrimônio público em associação com o capital financeiro internacional, transformando-o em ativo financeiro. É uma política de saque e pilhagem. O capital financeiro coloca as outras frações burguesas em interconexão. Mas é o setor financeiro que opera acima dos outros, cumprindo o papel, no processo de acumulação, de concentrar o capital em sua forma monetária. O resultado é a produção de atritos e contradições com outras frações capitalistas, como o capital funcionante (indústria, comércio, serviços e agronegócio) e o capital em função do seu tamanho (pequeno e médio). Taticamente, podemos explorar essas contradições, tendo em vista que o domínio do capital financeiro com sua lógica parasitária agrava os instrumentos de exploração dos trabalhadores. Mas não se pode ignorar que no conflito entre as classes, principalmente quando está em jogo o aprofundamento da exploração dos trabalhadores, a tendência é a burguesia como um todo formar um bloco de forças contra o conjunto da classe trabalhadora e do povo. Este bloco de poder dominante, como pontuado anteriormente, constitui nosso inimigo estratégico.

13. O resultado no plano da política institucional é reforçar todos os instrumentos da autocracia burguesa. O sistema político funciona num circuito ainda mais fechado, infenso às pressões populares por mais direitos e igualdade, que são cada vez mais criminalizadas. Facções burguesas, principalmente ligadas ao capital financeiro e ao latifúndio, assumem cada vez mais posições fascistas.

14. A transição do escravismo mercantil para o capitalismo dependente no Brasil, por uma via não clássica de revolução burguesa, consolidou um padrão de modernização conservadora protagonizado por uma burguesia nativa bastante competente em organizar internamente a dominação imperialista externa. Mesmo sem resolver a questão nacional e a questão democrática aos moldes de uma revolução burguesa clássica, o capitalismo se consolidou, se desenvolve e se moderniza no País. Portanto, a resolução destas questões só poderá se viabilizar contra o desenvolvimento do capitalismo, se unindo desde o início à estratégia de construção ininterrupta do socialismo.

15. Para concretizar esse processo não basta a propaganda ideológica da alternativa socialista, embora ela também seja necessária, mas é preciso unir as reivindicações concretas da classe trabalhadora e das bases populares conformando um bloco de forças organizado permanentemente, fazendo a disputa material, cultural e ideológica, priorizando as pautas que possuem maior permeabilidade entre o conjunto dos explorados e oprimidos, como, por exemplo, o fim da escala 6×1. A luta das massas trabalhadoras tem seu eixo num tripé que envolve a questão nacional, a questão democrática e a questão social.

16. Na conjuntura atual, trata-se de conformar a unidade democrática necessária para barrar o fascismo, não apenas como tática eleitoral, e, ao mesmo tempo, construir a unidade em torno de todas as pautas justas que emergem das classes trabalhadoras: contra o ajuste fiscal antipopular, contra o corte no auxílio BPC, contra as privatizações, contra o desmonte do serviço público, pela revogação das reformas trabalhista e da previdência, contra o novo ensino médio, contra a escala 6×1 etc. Considerando as pressões imperialistas que aprofundam os instrumentos de espoliação colonial, semicolonial e, em âmbito nacional, as relações de dependência, a luta pela completa soberania nacional se coloca como fundamental.

17. A perspectiva de bloco, já presente em Lênin, permite superar o taticismo e mirar na construção de instrumentos permanentes que, para além das táticas conjunturais, sigam acumulando forças no rumo de uma estratégia de poder. Na particularidade brasileira, trata-se de conformar o bloco proletário e popular (hegemonizado pelo proletariado, mas composto também por setores como a pequena-burguesia e o campesinato) antimonopolista, anti-imperialista e antilatifundiário.

18. A tomada do poder e a expropriação dos expropriadores (estatização e socialização dos meios fundamentais de produção) não superam o capital (que sobrevive estatizado) e não implementam o socialismo e o comunismo de imediato. Será necessário um esforço histórico que passa pelo desenvolvimento e redirecionamento das forças produtivas, pelo planejamento democraticamente centralizado e por uma revolução cultural e educacional que transforme a igualdade formal em igualdade substantiva, superando o capital (o domínio da lei do valor) enquanto relação social, para edificar a associação dos livres produtores: o comunismo.

19. O Leninismo, nesse contexto, representa o aprofundamento e atualização do marxismo, desenvolvido especificamente para enfrentar os desafios impostos pela atual etapa do sistema capitalista: a fase imperialista. O leninismo expressa, além de suas contribuições teóricas, resultados práticos advindos do amadurecimento do socialismo científico desenvolvido por Marx e Engels. Após as revoluções socialistas e anticoloniais dos últimos séculos, torna-se indispensável o estudo analítico e criativo dessas experiências de ditadura do proletariado e construção do socialismo, considerando as condições concretas de cada país. O leninismo, como novo estágio do marxismo, exige essa abordagem para orientar corretamente a revolução e a construção socialista em contextos específicos. A negligência dessa tarefa resulta em desvios doutrinários ou revisionistas. Do mesmo modo, a afirmação do leninismo não pode significar o abandono da leitura e do retorno às contribuições filosóficas e científicas de Marx e Engels, contribuições estas tomadas profundamente como pressuposto pelo próprio Lênin em todas as suas elaborações.

Teoricismo e Pragmatismo.

1. O pragmatismo, o ativismo e o tarefismo levam ao individualismo, prejudicando o funcionamento do Centralismo Democrático, levando ao esgotamento físico e psicológico dos militantes, ao isolacionismo e aos desvios à esquerda e à direita. O tarefismo esvazia a LIGA COMUNISTA BRASILEIRA da possibilidade de criar debates internos, formulações políticas correspondentes à realidade de atuação de seus militantes, leitura acertada da conjuntura regional e nacional e construção coletiva de posições que contemplem a maioria dos militantes.

2. Por outro lado, o desvio teoricista não é menos danoso. A teoria sem aplicação prática se torna algo vazio, transformando a organização política em um clube de debates, despido de ação prática. A base teórica é algo que se adquire com o tempo, em meio ao estudo individual e coletivo. A teoria é um instrumento de interpretação da realidade, devendo estar a serviço da atuação política e organizativa da LIGA COMUNISTA BRASILEIRA.

3. O desvio teoricista também pode ser um obstáculo à aproximação de militantes mais novos, especialmente aqueles que ainda não possuem uma trajetória política consolidada ou que não tiveram, até então, uma introdução adequada ao marxismo-leninismo e aos textos fundamentais da LIGA COMUNISTA BRASILEIRA. Nesse sentido, é fundamental que nossos militantes adotem uma postura acolhedora e fraterna, criando espaços de diálogo acessíveis e incentivando a formação política. Além disso, é essencial acompanhar de perto o desenvolvimento desses novos integrantes, oferecendo suporte para que possam se inserir gradualmente nos estudos teóricos. Dessa forma, evita-se o afastamento por barreiras conceituais e fortalece-se a coesão entre os militantes, garantindo que o aprendizado teórico esteja sempre alinhado à prática e à construção coletiva.

4. Superar tanto o teoricismo quanto o pragmatismo envolve compreender o que é específico de cada uma das diferentes formas de reflexo e de práxis humana, como a filosofia, a ciência e a política. Claro que, em última instância, ambas conformam uma unidade no cotidiano e na totalidade dos processos sociais, mas a unidade não elimina a diferença.

5. A práxis política, por exemplo, demanda mais concessões e mais flexibilidade do que a ciência, tanto em seus posicionamentos quanto em suas formas discursivas, pois ela precisa estabelecer mediações com o atual nível de consciência e de organização das massas. Mas ela cairá no pragmatismo se não beber constantemente da filosofia e da ciência e não fizer o esforço permanente de formação para elevar o nível de consciência e de organização das forças populares.

6. Não existe marxismo-leninismo sem o conteúdo teórico e sem as categorias presentes nas obras de Marx, Engels e Lênin. As necessárias mediações políticas não podem significar a rejeição da teoria nos espaços que se destinam ao aprofundamento teórico.

7. Do mesmo modo, a filosofia e a ciência quando se encastelam e deixam de estabelecer mediações com a realidade das massas, caem em abstrações e se tornam incapazes de dar consequência efetiva aos seus postulados gerais, sendo inclusive infectadas por concepções de mundo burguesas anti-materialistas e anti-dialéticas.

8. Nosso posicionamento pode ser sintetizado na máxima de Lênin: a prática sem a teoria é cega, e a teoria sem a prática de nada vale.

Conjuntura Internacional.

1. O cenário mundial é marcado pelo domínio do imperialismo, cuja hegemonia econômica, financeira, política, cultural e militar ainda cabe aos Estados Unidos. O exercício dessa hegemonia é realizado por uma série de organismos controlados pelo imperialismo, como a OTAN, o FMI e o Banco Mundial. No fundamental, a estrutura do imperialismo, tal como descrita por Lênin em “Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo”, não se alterou substancialmente. Os grandes monopólios industriais e financeiros, localizados em países da Europa, no Japão e nos Estados Unidos, dominam a economia mundial. Esses monopólios concentram, por meio de intensa drenagem de riquezas, boa parte dos recursos financeiros, produtivos e dos avanços tecnológicos.

2. Pesquisa recentemente publicada da revista Nature1, reportado pela agência Sputinik, demonstra que as trocas desiguais entre os países imperialistas e os países em situação semicolonial e de dependência são a tônica das relações internacionais. Há uma gigantesca apropriação líquida de recursos naturais dos países do chamado Sul Global pelos países do Norte. Em valores monetários, essa drenagem representou a soma impressionante de 10,8 trilhões de dólares em 2015, montante suficiente para acabar com a pobreza extrema 70 vezes. Entre 1990 e 2015, a drenagem atingiu a soma astronômica de 242 trilhões de dólares. Os trabalhadores dos países semicoloniais e dependentes contribuem com 90% da jornada de trabalho mundial, mas ficam com apenas 21% da renda global gerada.

3. A estrutura hierárquica entre as nações, formada ainda no período colonial, mantém-se. Ela se constitui de um vasto conjunto de países com graus diferenciados de subordinação ao imperialismo, que variam do semicolonialismo à dependência. A esses países cabe cumprir papéis historicamente determinados, como: (a) fornecedores de matérias-primas agrícolas e minerais; (b) receptores de investimentos externos dos países imperialistas, cujo objetivo é a superexploração da força de trabalho; e (c) consumidores de produtos industriais fabricados ou desenvolvidos pelos países imperialistas. Nações submetidas a essas condições continuam manietadas e enredadas política, militar, cultural, econômica e diplomaticamente pelas nações imperialistas, que utilizam uma ampla gama de recursos para mantê-las em condição subordinada. Entre esses recursos, destacam-se operações de desestabilização interna, imposição de sanções e guerras econômicas, roubos de ativos financeiros e o recurso à guerra como meio de substituir governos insubmissos.

4. A partir da crise econômica de 2008, as potências imperialistas buscaram superá-la aprofundando os instrumentos de exploração colonial, semicolonial e de dependência. A década de 2010 é marcada por ações imperialistas destinadas a produzir o caos e a desestabilização na periferia do sistema, com o objetivo de impedir a ascensão de novas potências econômicas concorrentes e manter os países na condição semicolonial e dependente. As potências imperialistas tradicionais encaram essa situação como uma ameaça existencial. Essas ações ficaram conhecidas como guerras híbridas, pois envolveram diversos instrumentos, como apoio a mobilizações “populares” contra governos acusados de corrupção, lawfare, não reconhecimento de derrotas eleitorais de seus candidatos sob alegação de eleições fraudadas, bloqueios econômicos para gerar o caos e produzir explosões sociais, roubo de ativos depositados em bancos europeus e, quando necessário, intervenção militar direta.

5. Mas os conflitos do imperialismo não envolvem apenas a luta contra países concorrentes e nações que querem conquistar sua segunda e definitiva independência. O imperialismo enfrenta, em seu próprio interior, cisões que fragilizam sua unidade política, diplomática e econômica. A ascensão política de Donald Trump, com seu projeto MAGA (Make America Great Again, em português “Fazer a América Grande Novamente”), manifesta esses conflitos internos. Trump representa um segmento agressivo e com tendências neofascistas que, no contexto da crise da hegemonia estadunidense, deseja romper acordos e equilíbrios com seus sócios europeus para restaurar a primazia norte-americana. Além de expressar os interesses da facção mais agressiva do imperialismo estadunidense, que chega ao ponto de sugerir a anexação da Groenlândia e do Canadá, Trump articula um campo de forças de caráter abertamente fascista, ramificado mundialmente, que defende sem disfarces uma agenda econômica ultraliberal, supremacista, racista e altamente conservadora. Se, por um lado, Trump representa uma ameaça e um agravamento da política imperialista, por outro, seu estilo histriônico contribui para debilitar a legitimidade da hegemonia norte-americana.

6. Neste cenário descrito acima, o imperialismo dos Estados Unidos tende a se tornar mais agressivo à medida que sua hegemonia é contestada e se coloca no horizonte a possibilidade do declínio de seu domínio global. A tendência é que se acentuem os processos de expropriação, saqueio de riquezas, violação da soberania dos povos, e o esgotamento dos recursos naturais do planeta que levará ao agravamento da crise ambiental, colocando em risco a própria existência humana. Um projeto efetivamente socialista e anti-imperialista precisará investir em novas fontes de energia menos poluidoras, buscando alternativas aos combustíveis fosseis.

7. Apesar das características da política de Trump, o Partido Democrata defende substancialmente as mesmas políticas, ainda que por outros meios. Os governos de Clinton, Obama e Biden levaram a cabo políticas imperialistas tão ou mais violentas do que alguns governos republicanos. Cabe ressaltar o apoio direto do Governo Obama e do Governo Biden ao movimento neonazista ucraniano e no golpe conhecido como “Euromaidan”. Foram iniciadores da guerra na Síria, fomentaram e armaram os sionistas para perpetrar o genocídio do povo palestino e a expansão fascista do governo colonial de Israel, foram protagonistas – com papel destacado de Hillary Clinton – no bombardeio e deposição na Líbia, participando ativamente de massacres no Iemen em colaboração com a Arábia Saudita. Não podemos esquecer do ataque a Belgrado, na antiga Iugoslávia, na estratégia de liquidar totalmente qualquer resquício de experiência socialista ou país não alinhado à OTAN na Europa.

8. Isso tudo não arrefeceu a disposição dos povos e de outras nações em desafiar o domínio das velhas potências imperialistas. Esse desafio é marcado pela ascensão econômica, financeira e tecnológica da China, combinada ao aparecimento de potências capitalistas regionais. No caso da China, há décadas o país sustenta um alto nível de crescimento econômico, com uma média anual de 6% no PIB. De produtora inicial de bugigangas, a China se tornou uma grande potência industrial e exportadora de produtos sofisticados. Mesmo enfrentando o boicote imposto pelos Estados Unidos, que proíbem empresas de qualquer país de venderem processadores com tecnologia norte-americana para a China, o país já domina a produção de chips de 7 nanômetros. Atualmente, a China é o maior parceiro comercial da maioria das nações do mundo, especialmente da África.

9. Em 2020, a China se tornou o principal parceiro comercial da União Europeia, com uma quota global de 16,2% em 2021, enquanto os Estados Unidos representaram 14,7%. Na América Latina, excetuando o México, a China se tornou o maior parceiro comercial dos países da região. Sua posição é facilitada por sua política diplomática, cujo princípio, por enquanto, é o de não interferência nos assuntos internos dos países com os quais mantém relações comerciais. Suas parcerias comerciais e de investimentos não exigem políticas de ajuste fiscal nem reformas ultraliberais, como fazem o FMI e o Banco Mundial. Esse diferencial torna a parceria com a China um atrativo e uma alternativa para países dependentes e em situação de semicolonialismo.

10. Todavia, é preciso destacar que a estrutura de comércio chinesa mantém elementos do fluxo de importação-exportação de mercadorias do imperialismo, ou seja, exporta capitais e produtos industriais de baixa e alta densidade tecnológica e importa produtos primários agrícolas e minerais. Mesmo diante das evidências de que seu desenvolvimento econômico se aproveita das enormes disparidades produtivas herdadas do período colonial, o Estado chinês e seu Partido Comunista reafirmam o caráter socialista de sua experiência. No entanto, ainda faltam elementos suficientes para corroborar essa conclusão. Em nossa opinião a República Popular da China necessita ser estudada de forma permanente e atualizada, e nesse momento histórico se encontra em campo alternativo ao representado pelo bloco Imperialista liderado pelos Estados Unidos. De qualquer modo, reafirmamos que a luta socialista dos povos não pode ser reduzida à adesão a blocos econômicos, como se essa opção automaticamente conduzisse os povos do mundo ao socialismo.

11. Temos como prática e organicidade a solidariedade e o compromisso político com a Revolução Cubana, compreendendo que como experiência de conquistas e resistência favorece a luta política latino-americana como realidade concreta para os povos de Nossa América. Somos solidários à Revolução Cubana, à Revolução Bolivariana, à resistência do Povo Palestino, à luta do povo Saarauí, e a todos povos oprimidos que resistem ao neocolonialismo e ao imperialismo ou que sofrem perseguições étnicas-raciais e genocídios.

12. Depois da crise de 2008, vemos a ascensão no seio das sociedades de ideologias de extrema-direita com influência na classe trabalhadora. Esse quadro se intensificou ao longo dos últimos anos, com a eleição de líderes como Bolsonaro, Milei e Trump, além de partidos neofascistas europeus ao parlamento de diferentes países. Esse quadro se estende inclusive a países do Oriente, como a Índia de Narendra Modi, entre outros.

13. As ideologias de extrema-direita se apresentam como alternativa antissistêmica, através de uma negação parcial de elementos do establishment econômico vigente. Em alguns casos, como na Europa, figuras da extrema-direita se colocam contra organismos internacionais como a União Europeia e o FMI. No entanto, sabemos que o sequestro e neutralização efetiva, pela extrema-direita, de pautas que pertencem historicamente a esquerda, é uma prática antiga que remonta ao fascismo clássico. Na prática a extrema direita radicaliza a exploração e todos os elementos negativos do capitalismo e do imperialismo, como a exploração, o racismo, homofobia, xenofobia, machismo etc.

14. No contexto da intensificação da crise estrutural do capitalismo, frações de classe burguesa, em diferentes países, enxergam na extrema direita uma alternativa política e econômica. Tais adesões dessas frações de classe precisam ser analisadas conforme o contexto de cada formação social, mas existe uma tendência, similar aos contextos pré-Segunda Guerra Mundial, da formação de uma hegemonia de extrema-direita no interior das classes dominantes de alguns países.

15. Um segundo desafio importante colocado à hegemonia do imperialismo norte-americano no mundo, desenrola-se na Ucrânia. Desde fevereiro de 2022 a Rússia desencadeia uma ação militar que visa conquistar territórios do leste da Ucrânia, de maioria russófona, identificando na expansão da OTAN uma ameaça à sua existência. Neste sentido, o governo russo também foi pressionado internamente por setores da população das regiões ucranianas do Donbass que não querem mais viver sob as marionetes instaladas em Kiev. O presidente Vladimir Putin ordenou o início de uma operação militar especial com o intuito de desnazificar e desmilitarizar o país. Porém, inserida no contexto representado pelo desafio imposto à hegemonia imperialista dos Estados Unidos, a guerra na Ucrânia entre OTAN e Rússia representa um elemento adicional importante. Uma vitória militar das tropas russas contra o governo capacho de Zelensky agrava as contradições do imperialismo hegemônico, e pode representar o deslocamento definitivo de várias nações da influência dos Estados Unidos para outro eixo representado por China e Rússia. Compreendemos que o conflito Rússia-Ucrânia foi gerado pela voracidade imperialista dos Estados Unidos, da OTAN e da União Europeia contra a Rússia, utilizando a Ucrânia como satélite e fazendo inclusive alianças com neonazistas ucranianos e mercenários de outros países.

16. Importante destacar como este conflito foi estimulado pelos Estados Unidos para impedir a integração energética entre Alemanha e Rússia. A entrada em operação do gasoduto Nord Stream 2 prevista justamente para meados de 2022 representou uma ameaça para os interesses estadunidenses. A Rússia fornece 40% do gás consumido pela Europa e só a Alemanha tomada isoladamente consome metade desse total. Caso o Nord Stream 2 entrasse em operação, a Alemanha ganharia maior capacidade de concorrer no mercado mundial, além de maior autonomia econômica e produtiva frente aos Estados Unidos. Por isso, desde 2018, quando Trump assume a presidência, a Casa Branca tem imposto sanções contra empresas e pessoas envolvidas no projeto. O espocar do conflito em fevereiro de 2022 paralisou completamente o projeto de integração energética. Em 26 de setembro de 2022, o Nord Stream sofre um ato de sabotagem por parte dos serviços secretos dos Estados Unidos em águas territoriais dinamarquesas e é explodido. O fato é que a Guerra da Ucrânia pode se expandir para uma escala mundial, haja vista a beligerância dos países envolvidos. A resposta da Rússia demonstra sua insatisfação frente às pretensões expansionistas da OTAN.

17. Um terceiro desafio posto ao imperialismo, como consequência do aparecimento de potências econômicas regionais, foi a criação dos BRICS. Antes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, seu último encontro em agosto de 2023 incorporou mais 5 países: Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Em graus diferenciados, essas nações pretendem renegociar seus tradicionais papéis na divisão internacional do trabalho, hoje em franca oposição ao imperialismo. O sucesso desse projeto exige a defesa de uma agenda multipolar contrária ao unilateralismo norte-americano e europeu. Para alcançar seus objetivos de se transformar em uma alternativa ao imperialismo norte-americano, os BRICS pretendem incorporar novos países, fundar um banco para financiamento de projetos de desenvolvimento e criar uma moeda de referência no comércio mundial que substitua o dólar. Do ponto de vista do controle das reservas minerais, os países do BRICS concentram 72% dos minerais de terras raras, 75% do manganês, 42% do abastecimento de petróleo, 50% do grafite e 28% do níquel. Reunidas, as atuais 11 nações do BRICS possuem 46% da população do planeta e 35% do PIB. Os BRICS representam o esforço conjunto de nações periféricas e dependentes por renegociar os termos da dependência e alcançar condições mais favoráveis nas trocas internacionais com os países imperialistas. Mesmo sem possuir objetivos socialistas, o esforço em alcançar maior grau de independência em relação ao imperialismo eleva as tensões políticas pelo mundo. Esse conflito dos povos dos países subordinados por alcançar sua segunda e definitiva independência, choca-se com a intransigência do imperialismo, que não aceita discutir os termos absolutamente desiguais de sua relação com os países periféricos, dependentes e semicoloniais. Ao questionarem os termos de troca e de acesso a investimentos, as atuais lutas dos povos subordinados contra o imperialismo podem abrir caminhos políticos rumo a um projeto socialista. Nosso campo de articulação de apoio e resistência política é preferencialmente os países periféricos e povos em luta. E compreendemos o papel tático do BRICS como articulação que, mesmo não consistindo em um Bloco Socialista, está no campo dos países periféricos que buscam alternativas de superação histórica da dependência exclusiva do bloco liderado pelos Estados Unidos e pelo velho colonialismo representado pela União Europeia. São equivocadas as posições mecânicas que consideram Rússia e China como países imperialistas. Apesar de suas complexidades e contradições, estes países estão em um campo que não pode ser considerado imperialista nesse momento histórico.

18. No contexto do enfrentamento dos povos contra o domínio imperialista, cabe ressaltar as rebeliões militares com forte apoio popular que, como um rastilho de pólvora, atingiram antigas colônias francesas da África. Países como Burkina-Faso, Mali e Níger, cujos processos de independência os mantiveram atados a França por mecanismos financeiros e comerciais de caráter neocolonial, são o palco de lutas populares contra a permanência dessa dominação. Destacam-se aqui os casos de Burkina-Faso, cujo jovem líder Ibrahim Traoré resgata em discursos uma potente crítica ao neocolonialismo, bem como o caso do Níger, antiga colônia francesa ainda presa à sua antiga metrópole pelas malhas financeiras do neocolonialismo e principal fornecedor de urânio à França. Todas as minas de urânio do Níger são controladas no todo ou em parte por empresas de capital francês, e a maior delas é a Orano. Enquanto o urânio nigerino garante a Paris o título de Cidade Luz e permite que a França exporte energia para outros países europeus sem centrais nucleares, 90% da população do país africano vive no escuro sem acesso à energia elétrica. Paris reage a esses movimentos com ameaças de intervenção militar, não necessariamente de forma direta com suas próprias tropas em terreno, mas outorgando procuração para países da região fazerem o serviço sujo, como Nigéria e Costa do Marfim. Seguindo o princípio marxista-leninista de defesa da autodeterminação dos povos, ainda que o destino dessas lutas seja incerto, devemos apoiá-las sem vacilação.

19. É nesse cenário marcado por mudanças profundas na ordem internacional que explode o conflito na Palestina. Em 07 de outubro de 2023, comandos militares da resistência nacional palestina saíram de Gaza e avançaram sob território palestino ocupado ilegalmente por Israel para atacar instalações militares e capturar soldados e oficiais, exigindo em troca a libertação de prisioneiros palestinos. O ataque foi de tal magnitude que pegou o exército israelense de surpresa e provocou a morte de mais de mil pessoas de Israel. A resposta do Estado de Israel, desde então, tem sido de uma brutalidade sem paralelo. Submetida a bombardeios diários, inclusive de escolas e hospitais, o número de mortos em Gaza já ultrapassa as 60 mil pessoas, sendo 1/3 delas crianças. O massacre dos palestinos, amparado na cínica justificativa de que Israel tem o direito de se defender, é apoiado pelos governos dos países imperialistas e pelas classes dominantes árabes. Como a causa palestina goza de apoio entre as massas populares dos países árabes, suas elites econômicas e políticas temem que as manifestações populares em apoio aos palestinos possam transbordar em uma grande revolta popular. Por isso, dado o tamanho do massacre perpetrado por Israel contra Gaza, as elites árabes fazem críticas e protestos inócuos torcendo para que o ataque de Israel acabe logo e que a paz social volte a reinar. O povo palestino conta, em sua luta, com importantes apoios por parte dos povos do mundo, a começar pelo Hezzbolah no Líbano e os houthis no Iemen, que contam com poucos governos decididos a apoiá-los, como o caso do Irã. Mas o tamanho do massacre perpetrado pelo Estado sionista e terrorista de Israel despertou a simpatia mundial pela causa palestina. Em cidades como Londres, mesmo com ameaças de proibição por parte do governo, registraram-se mobilizações que chegaram a quase 1 milhão de pessoas. Na atual conjuntura, o destino da luta de classe mundial se joga em Gaza. Uma derrota política e/ou militar de Israel e dos países imperialistas na região agrava as contradições com o imperialismo, abrindo condições mais favoráveis à luta dos povos e da classe trabalhadora em todo o mundo. Por isso o imperialismo e seu enclave sionista na região estão decididos a massacrar Gaza para impedir a vitória do povo palestino.

20. Já o cenário latino-americano é dos mais incertos. A região concentrou, no início do século XXI, as esperanças mundiais de superação do regime de acumulação capitalista de cunho neoliberal. Porém, os impasses e contradições do chamado progressismo, ao se debaterem com imensas dificuldades em evoluir para um projeto revolucionário de orientação socialista, provocaram enormes retrocessos. Essas dificuldades eram oriundas dos próprios limites políticos e ideológicos do chamado progressismo. Terminada a vaga do progressismo, apoiada num crescimento econômico dependente de exportações de produtos primários, as contradições não resolvidas cevaram a insatisfação popular capturada por forças conservadoras de corte liberal-fascista. Desfez-se a ilusão, após sermos uma região marcada por ditaduras sangrentas, de que teríamos entrado em um período histórico de normalidade democrática. As classes dominantes latino-americanas, interessadas na aplicação de um profundo ajuste ultraliberal para manter seus interesses, fizeram nossos povos encararem um novo cenário de instabilidade social e política e golpes de Estado voltaram a fazer parte da rotina de nossos países. Diferente dos golpes do passado, com o uso clássico da força militar, os golpes atuais ainda se valem das forças armadas, mas também apelam a outros atores institucionais, como o parlamento e o poder judiciário, tanto para destituir governos legitimamente eleitos, quanto para impedir candidaturas não-alinhadas completamente ao projeto de ajuste ultraliberal. O resultado dessa política tem produzido uma deterioração tão violenta do tecido social, uma desorganização política e ideológica tão grande das classes sociais, principalmente das massas trabalhadoras, que aventureiros políticos representando facções marginais no sentido literal e figurado da palavra das burguesias latino-americanas, casos de Milei na Argentina, Noboa no Equador, Bukele em El Salvador e Bolsonaro no Brasil, tem alcançado vitórias eleitorais que dão aval para o aprofundamento das políticas de ajuste ultraliberal.

21. Neste cenário, a classe trabalhadora em todo o mundo se encontra dispersa, desorganizada e numa posição defensiva. Ainda enfrentamos os reflexos do fim do campo socialista no leste europeu e a queda da União Soviética. Ao deixar de existir o campo socialista, as massas trabalhadoras em todo o mundo perderam um referente e um apoio importante para suas lutas de libertação nacional, bem como uma plataforma de apoio financeiro e técnico capaz de propiciar um desenvolvimento econômico independente do imperialismo. Com a ausência em seu horizonte de uma perspectiva socialista, a tendência mundial das lutas dos povos foi a de se alinhar a projetos que muitas vezes nem sequer propõem o rompimento com o modelo capitalista de acumulação, mas apenas uma atenuação dos efeitos mais perversos do neoliberalismo. Os reflexos dessa débâcle do campo socialista foram duramente sentidos no movimento comunista. Excetuando-se algumas experiências nacionais, em sua maioria os comunistas se encontram politicamente enfraquecidos, divididos e são poucos os países capitalistas do mundo onde os comunistas exercem algum nível significativo de influência no movimento de massa.

22. A grande tarefa dos comunistas na atual quadra histórica é a luta por retomar o posto de principal expressão política e organizativa das massas trabalhadoras. Isso será alcançado por uma imersão dos comunistas no movimento de massa, ajudando-a e com ela participando em suas lutas mais básicas, tornando-nos capazes, pelo exemplo de compromisso e combatividade com os interesses imediatos e históricos da classe trabalhadora, de voltar a ser o segmento mais avançado da classe operária e dos povos oprimidos e explorados do mundo.

¹ HICKEL, Jason; HANBURY LEMOS, Morena; BARBOUR, Felix. Unequal exchange of labour in the world economy. Nature communications, v. 15, n. 1, p. 6298, 2024.

Conjuntura Nacional.

1. O cenário brasileiro atual tem como característica determinante e estrutural a opção das frações mais financeirizadas e internacionalizadas da burguesia nacional, que doravante chamaremos de fração hegemônica, pelo aprofundamento do caráter dependente do capitalismo brasileiro. Em termos concretos, isso representa: (1) fazer o eixo da acumulação do capital girar em torno da financeirização da economia e da agromineração exportadora; (2) reduzir a produção industrial a uma posição marginal; (3) aprofundar a subordinação do Brasil ao imperialismo pela eliminação de qualquer resquício de soberania nacional (econômica, política, diplomática, monetária, industrial, alimentar, militar, científica e tecnológica); (4) acentuar os níveis de superexploração dos trabalhadores por meio da proliferação de formas de trabalho informais e precarizadas, com a destruição de toda a legislação protetora do trabalho, da previdência e da seguridade social. Estamos, portanto, diante de uma regressão político-econômico-social sem paralelo em nossa história.

2. A política da grande burguesia nacional, associada ao capital financeiro internacional, consiste em saquear e pilhar, por meio de privatizações e parcerias público-privadas, as riquezas naturais e o patrimônio público. As facções políticas burguesas disputam entre si quem levará a melhor nessa política de assalto à riqueza nacional. Ao implementar seu projeto que aprofunda a dependência estrutural, a burguesia brasileira não apenas reitera o caráter submisso de nossa economia, como também amplia a subordinação política, tornando o Brasil uma periferia cada vez mais vulnerável aos interesses imperialistas.

3. A desindustrialização e a reprimarização da economia jogam nas margens da formalidade grande parte dos trabalhadores brasileiros. O capitalismo dependente brasileiro, desde sua formação, sempre necessitou de um setor às margens do sistema de trabalho para manter seus níveis de superexploração e de arrocho salarial. Esse setor marginalizado é formado, nas cidades e no campo, pelos descendentes de escravizados, que por meio do racismo, são excluídos do regime de trabalho formalizado. No contexto atual de desindustrialização esse cenário se recrudesce, e abre espaços para que empresas como Ifood e Uber, pertencentes à última etapa do desenvolvimento tecnológico do capital, explorem a mão de obra precarizada desses setores de maneira predatória, sem regulamentação ou limites à jornada de trabalho. No interior da luta de classes do brasil, esses setores estão se organizando de forma diferente da organização tradicional em sindicatos. Ao mesmo tempo, reivindicações não ligadas diretamente à luta por direitos trabalhistas, ganharam visibilidade, não só no Brasil, mas em todo mundo. No entanto, tais movimentos estão ainda em uma fase de fracionamento, nos colocando o desafio de estudá-los e entender seus limites e possibilidades, visando superar, por um lado, o universalismo abstrato, e por outro, os particularismos fechados em si.

4. A conjuntura pós-golpe de 2016 evidencia ainda mais que a chamada Nova República se instituiu reciclando os mecanismos da autocracia burguesa em combinação com elementos da democracia de cooptação, conformando um modelo de democracia restrita. Nesse circuito fechado, a democracia de cooptação tem pouca flexibilidade, pois a burguesia nativa dependente, embora competente em organizar internamente a dominação imperialista externa, possui pouca margem de manobra e pouco a ceder às camadas populares. A tutela militar, ainda que com diferenças, perdura, e o recurso a ações arbitrárias e golpistas segue no horizonte de boa parte do bloco de poder dominante.

5. A superexploração é um produto direto do capitalismo dependente. Para atender às exigências da acumulação do capital, tanto pelas classes dominantes locais quanto pelo imperialismo, aplica-se uma verdadeira expropriação de direitos das massas trabalhadoras. O pagamento de salários abaixo do mínimo necessário é a forma que o capital encontra, em uma economia como a brasileira, para garantir a superacumulação de capital. Pouco mais de 67% dos trabalhadores brasileiros ganham até dois salários-mínimos nominais, o que corresponde atualmente a R$ 3.036,00. No entanto, o salário-mínimo necessário calculado pelo DIEESE deveria ser, em dezembro de 2024, de R$ 7.067,68. Essa realidade reflete a condição histórica de dependência do Brasil, primeiro sob exploração colonial e, posteriormente, sob o predomínio de relações capitalistas submetidas às dinâmicas das potências imperialistas, que perpetuam formas de superexploração do trabalho.

6. A política de saque e pilhagem da riqueza nacional incentiva a luta entre diferentes facções da classe dominante por interesses exclusivistas. A autocracia burguesa atinge níveis elevados e, ao deixar de pensar o país como um todo integrado, proliferam-se tendências inorgânicas por parte de alguns setores da burguesia, ameaçando a integridade territorial brasileira. O Brasil passa a ser tratado como um território suscetível ao domínio de grupos de interesse, cada um buscando seu benefício particular sem qualquer compromisso com a unidade nacional, seja em termos de território, cultura ou identidade.

7. O latifúndio, hoje na forma do agronegócio, voltado especialmente para a exportação, opera sob uma lógica de devastação ambiental, sem considerar os impactos destrutivos de sua ação predatória sobre o restante do país. Os desastres ambientais, como chuvas torrenciais e ondas de calor extremo, são um dos efeitos mais sentidos pela população. Com uma produção agrícola baseada no latifúndio monocultor exportador, testemunhamos ondas de inflação no preço dos alimentos, cujos valores são definidos pelos grandes monopólios do agronegócio e pelos capitais financeiros internacionais. Essa produção demanda vultosos recursos de financiamento público via Plano Safra, que em 2024 chegou a R$ 400 bilhões, além de avançar sobre áreas de preservação ambiental e terras ocupadas por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, lavradores e sem-terra. Além das constantes denúncias de exploração de trabalho análogo à escravidão.

8. Esses exemplos demonstram que a grande burguesia brasileira, completamente conectada ao sistema financeiro internacional, abandonou qualquer pretensão de um projeto nacional minimamente soberano, autônomo e reformista. O projeto em curso, justificado por um discurso ultraliberal, visa facilitar o saque e a pilhagem das riquezas nacionais por diferentes facções burguesas, por meio de privatizações e outros mecanismos. A burguesia busca garantir seus super privilégios, característica marcante do capitalismo dependente, e não hesitará em sacrificar a soberania nacional e a integridade territorial do país para assegurar sua acumulação de capital.

9. Os ataques perpetrados para aprofundar a superexploração não escolhem coloração partidária. Começam no primeiro mandato de Lula com a reforma da previdência, continuou no segundo mandato de Dilma, aprofundam-se com Temer, são ampliados por Bolsonaro e continuam no atual governo Lula, cujo compromisso com o capital financeiro o fez esquecer sua promessa de revogar as reformas trabalhista e previdenciária, além de acatar a agenda de reformas regressivas do grande capital. Isso se expressa na imposição de uma política de arrocho na valorização do salário-mínimo e no corte de benefícios sociais. Sob todos esses governos, o povo não deixou de lutar. Diferente da ideia, muito difundida na esquerda, de uma suposta apatia do movimento popular, observa-se justamente o contrário nos últimos anos. A agenda ultrarregressiva dos sucessivos governos tem impulsionado as lutas. Desde 2013, temos assistido a uma sucessão de mobilizações de massa, muitas delas organizadas à margem dos grandes, mas carcomidos, aparelhos sindicais e populares. Tivemos as rebeliões populares de junho de 2013 (contraditórias), greve geral de abril de 2017, a ocupação das escolas públicas liderada pelos secundaristas, a paralisação dos caminhoneiros, as mobilizações de maio de 2019 contra a reforma universitária de Bolsonaro, as manifestações pelo Fora Bolsonaro em plena pandemia em 2021, e a greve dos professores das universidades e institutos federais em 2024. Além disso, constatamos um aumento significativo no número de greves em todo o país: 900 em 2012, cerca de 2.000 em 2013, 2.093 em 2016, 1.566 em 2017, 1.453 em 2018 e 1.118 em 2019. Em 2020, já sob os efeitos da pandemia, foram registradas 649 greves, número que subiu para 721 em 2021, saltou para 1.067 em 2022 e atingiu 1.132 paralisações em 2023.

10. Porém, as lutas desse período não foram capazes de converter a insatisfação popular em um projeto político mais avançado. As razões são variadas e complexas. Primeiramente, cabe apontar a desmoralização das forças tradicionais da esquerda brasileira, empenhadas por uma década em cumprir o papel de gestoras do regime de acumulação neoliberal. Esse papel decorre da diluição da perspectiva revolucionária entre as massas trabalhadoras em todo o mundo, efeito ainda da débâcle do campo socialista, tornando-as presas do reformismo social-democrata. Esse reformismo flexionou-se ainda mais ao centro do espectro político, posicionando-se praticamente como a ala esquerda do centro liberal. Na prática, a esquerda institucional deixou de ser uma força reformista da classe trabalhadora e passou a ser gestora da ordem econômica e política burguesa dentro do regime de acumulação neoliberal. Quando chega ao governo, faz um reformismo sem reformas.

11. No Brasil, essa situação se repetiu porque as forças hegemônicas da esquerda nacional, estando plenamente integradas à ordem burguesa, são incapazes de se apresentar como alternativa política de vanguarda às massas trabalhadoras. Ainda assim, exercem o controle sobre o movimento de massas por meio de um aparato burocrático interessado apenas em sua própria reprodução. A ausência de uma perspectiva revolucionária entre as massas trabalhadoras, somada ao controle burocrático das organizações populares, dificultou a tarefa das organizações do campo revolucionário — especialmente dos comunistas — de se apresentarem como alternativa política. Além disso, o campo comunista no Brasil enfrenta dificuldades em construir uma inserção orgânica entre as massas trabalhadoras, por sua incapacidade de realizar mediações táticas com a luta concreta do povo. Nesse cenário, a insatisfação popular, tanto com a esquerda institucional quanto com as representações tradicionais da burguesia, foi capturada eleitoralmente pelo protofascismo e sua demagogia antissistêmica.

12. O caráter ultrarregressivo do programa de ajuste ultraliberal tem causado, em todo o mundo, a desmoralização de forças político-partidárias cuja agenda converge para o centro do espectro político. Esse centro é composto por forças político-sociais defensoras da ordem burguesa liberal-democrática e do imperialismo tal como está estruturado atualmente, dominado pelos grandes monopólios industrial-financeiros. Ele se divide entre duas opções político-partidárias que se alternam no governo: o liberalismo e a social-democracia. Nenhuma dessas alternativas atende às expectativas das grandes massas trabalhadoras, que anseiam pela superação das desigualdades sociais, da concentração de renda e do desmonte do Estado de bem-estar social. Ambas, com variações cada vez mais insignificantes, seguem a agenda ultraliberal do grande capital financeiro. Suas diferenças residem na forma de administrar a barbárie produzida pelo sistema imperialista: a social-democracia busca fazê-lo de maneira mais “humana” e branda, enquanto a direita e a extrema-direita o fazem de modo mais brutal e socialmente insensível. Esse é o dilema enfrentado no Brasil com o terceiro mandato de Lula. Seu governo se mantém no estreito limite de gerir de maneira mais humana a aplicação da agenda ultraliberal, sem qualquer perspectiva de enfrentamento aos interesses do grande capital. Na prática, o que existe é uma permanente busca por conciliação, que nada mais é do que um acerto sobre como a agenda de contrarreformas será aplicada.

13. O privilégio concedido aos interesses da burguesia blindou o Estado das pressões populares, sendo essa a principal causa da profunda insatisfação das massas trabalhadoras em todo o mundo com o sistema político e com as forças político-partidárias do centro do espectro. Essas forças são percebidas pelas massas, geralmente de forma despolitizada e por um viés conservador, como engrenagens a serviço do grande capital. As forças revolucionárias ainda são muito fracas para se apresentarem como alternativa às massas trabalhadoras, devido, em parte, aos efeitos político-ideológicos da débâcle do campo socialista. Como resultado, dilui-se nas grandes massas populares a perspectiva revolucionária e socialista, restringindo seu horizonte político ao reformismo. Some-se a isso a força ideológica do capital, sustentada por seus diversos aparelhos de propaganda, que formatam a consciência e fabricam consensos. No limite, resta às massas trabalhadoras a opção de escolher uma alternativa social-democrata.

14. A social-democracia, enquanto aparelho ideológico do Estado burguês, atua para neutralizar, a partir do interior da própria classe trabalhadora, a adesão popular a alternativas revolucionárias. Seu papel é circunscrever a luta popular a uma perspectiva reformista. No entanto, o aprofundamento do ajuste ultraliberal, inclusive quando aplicado pela própria social-democracia — frequentemente com mais eficiência do que governos burgueses puro-sangue —, combinado com as dificuldades dos comunistas em conquistar o apoio popular, cria um vácuo na representação dos interesses das massas trabalhadoras. Esse vácuo tem sido ocupado por forças político-partidárias de aparência antissistêmica, conservadora e antiliberal, culturalmente reacionárias e, em alguns casos, de clara inspiração fascista. Essas forças crescem eleitoralmente, captando o apoio de setores cada vez mais insatisfeitos da classe trabalhadora, que rejeitam tanto a direita tradicional quanto o reformismo social-democrata, percebidos como meros gestores dos interesses do grande capital em detrimento dos interesses populares. A ideologia social-democrata e reformista, atua para neutralizar a adesão popular a alternativas revolucionárias, essa posição defende a possibilidade de conciliação de interesses dos trabalhadores e do capital, o que é uma completa falácia, pois esses interesses são inconciliáveis. Os grupos políticos que reproduzem essa ideologia, buscam justificar sua legitimidade agindo no interior da própria classe trabalhadora e formulando algumas políticas que beneficiam a população, enquanto continuam a direcionar quase a totalidades das políticas e recursos do Estado para os interesses do grande capital.

15. Analisar a classe trabalhadora somente enquanto conceito sociológico pode nos levar à erros de análise de natureza economicista. Imaginar a existência de uma classe trabalhadora em estado puro, com a pretensão de se tornar seu porta-voz mais autêntico, é reduzi-la a uma luta econômica própria da sociedade burguesa. A consciência da classe trabalhadora não existe em estado puro, mas é mediada por aparelhos ideológicos e resulta das condições concretas em que se processa a luta de classes. Desse modo, para que a consciência das massas trabalhadoras se torne crítica e revolucionária, é necessária a construção de um operador político de vanguarda capaz de construir junto à classe trabalhadora e suas lutas uma interpretação da realidade e uma antecipação do projeto de futuro, orientando-as na conjuntura para a luta pela conquista do poder como condição das transformações revolucionárias.

16. É preciso considerar, portanto, a formação dessa consciência nas condições da classe trabalhadora em um país de capitalismo dependente. Nesse caso, as massas trabalhadoras se veem diante da tarefa de construir sua identidade como classe vinculada à sua identidade como povo. Isso ocorre porque, nas condições do capitalismo dependente, as massas trabalhadoras são obrigadas a assumir uma dupla e concomitante tarefa: libertar-se de sua condição de classe espoliada e dominada, tendo em vista a superação do capitalismo, combinada ao movimento de libertar o país de sua condição subalterna em relação às potências imperialistas, estancando a sangria representada pela sucção de mais-valia destinada a engordar a acumulação externa de capitais.

17. Diferente do socialismo reformista, os comunistas não lutam apenas para pôr fim às desigualdades sociais. Nossa luta fundamental, adaptando-nos à realidade de um país capitalista dependente como o Brasil, é para pôr fim à exploração do homem pelo homem. A desigualdade social, cujos principais marcadores se observam nos níveis de concentração da renda e da propriedade, é a manifestação visível da exploração do trabalho pelo capital. No plano imediato, os comunistas participam da luta contra os efeitos devastadores provocados pela desigualdade. Porém, diferentemente dos socialistas e socialistas reformistas, social-democratas e mesmo de setores reformistas burgueses, não limitamos nossa luta a uma melhor distribuição da renda. Esse é o nosso ponto de partida, mas o objetivo estratégico é superar o capitalismo, eliminando a propriedade privada dos meios de produção e a exploração do homem pelo homem como meio para extinguir todas as formas de desigualdade.

18. Para tanto, um partido das massas trabalhadoras, na atual conjuntura e tendo em vista a conquista do poder político, deve ser capaz de organizar a consciência de classe em um nível superior, sem desconsiderar as especificidades da realidade brasileira. Isso implica observar, na atual conjuntura, três tarefas fundamentais: a questão nacional, pela defesa mais completa da soberania do Brasil em todas as suas dimensões; a questão social, pela defesa dos interesses materiais mais imediatos das massas trabalhadoras, colocando a necessidade de melhorar suas condições de vida; e a questão democrática, que envolve tanto a luta em defesa das franquias democráticas contra as ameaças representadas pela extrema-direita e o fascismo, como a conquista de uma nova democracia capaz de aniquilar a autocracia burguesa e abrir caminho para um verdadeiro poder popular e operário no país.

19. Como consequência desse ponto, é preciso combater as ilusões políticas ainda presentes no seio das massas trabalhadoras, pois estas funcionam como um poderoso freio à sua mobilização. A superação dessas ilusões não virá por meio de uma posição sectária ou pelo denuncismo verbal. Ela será alcançada por uma atuação prática coerente e combativa dos comunistas, às vezes até mesmo em alianças táticas com outras forças políticas de esquerda, por meio das quais nos mostraremos às grandes massas trabalhadoras como a força mais consequente e perspicaz para dirigir a luta.

20. A inserção ativa dos comunistas da LIGA COMUNISTA BRASILEIRA nas lutas pelos interesses imediatos do povo em nossos locais de estudo, trabalho e moradia também requer articulações mais amplas, nas quais possamos debater um projeto das massas trabalhadoras para o país. Nos inserimos nessa conjuntura com o propósito de estimular o povo a confiar, acima de tudo, em sua própria força e capacidade de organização. Só a luta organizada é capaz de oferecer as respostas necessárias para a superação do atual cenário. Em segundo lugar, inserimo-nos com o propósito de defender abertamente que a saída dessa crise passa por profundas transformações nacionais, sociais e democráticas, todas voltadas aos anseios mais profundos das grandes massas trabalhadoras. Na atual conjuntura, fica cada vez mais evidente a insustentabilidade de um reformismo fraco, baseado em políticas compensatórias de gerenciamento da pobreza, preconizadas por organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial em sua estratégia para manter os países subordinados ao imperialismo e as classes trabalhadoras longe de uma solução verdadeira. Para superar o capitalismo dependente, principal entrave ao desenvolvimento do Brasil e de seu povo, é necessário um processo revolucionário capaz de colocar o poder do Estado nas mãos das massas trabalhadoras organizadas. Essa revolução prepara as condições para a implantação do socialismo. A necessidade de uma revolução para superar as contradições geradas e reproduzidas pelo capitalismo dependente não exclui a tarefa dos comunistas de participar ativamente das lutas imediatas.

21. No atual contexto, o programa dos comunistas deve contemplar, de forma articulada, tarefas democráticas, sociais e nacionais de interesse das grandes massas trabalhadoras do país. Para isso, propomos:

  • a. Todo o poder às massas trabalhadoras – O ponto essencial do socialismo é a constituição da classe trabalhadora como classe dominante. A função do partido de vanguarda, além de fazer a disputa ideológica para ampliar o senso crítico das massas trabalhadoras sobre os interesses em jogo em determinada conjuntura e antecipar os cenários políticos para elevar seu patamar da consciência burguesa e individualista à consciência de classe, é fomentar e orientar sua preparação e organização para a tomada do poder. Contudo, essa condição não surge pela vontade do partido de vanguarda, mas por condições objetivas e subjetivas determinadas pela situação revolucionária, originadas do aguçamento das contradições de uma formação social determinada, na qual as classes dominantes não podem mais governar como antes, e as classes dominadas não querem mais viver como viviam, realizando ações políticas de tal magnitude que levam à paralisia e neutralização dos instrumentos repressivos do Estado burguês. Ter o poder do Estado nas mãos significa, fundamentalmente, controlar os aparelhos repressivos e ter o monopólio legítimo da violência, além de possuir um corpo burocrático executor das decisões emanadas da classe social dominante. A história de luta pelo poder das massas trabalhadoras ensinou a necessidade de construírem um novo Estado adequado a seus fins e interesses. O Estado burguês, portanto, é imprestável para essa tarefa. Cabe às massas trabalhadoras brasileiras, aproveitando-se da experiência histórica de outros países, construir um novo Estado que elimine a autocracia burguesa e erga uma nova democracia, pela primeira vez em nossa história, para as maiorias, criando os instrumentos necessários para a plena manifestação de seus interesses.
  • b. Com o poder do Estado nas mãos, dar início a um processo de mudanças e transformações radicais nas estruturas econômicas do país. O cerne dessa mudança é superar a condição dependente e aplicar uma política orientada à conquista da mais completa soberania nacional (econômica, militar, tecnológica, alimentar, industrial etc.), tendo em vista a criação de uma dinâmica econômica destinada a atender prioritariamente os interesses das massas trabalhadoras. Isso inclui a redução drástica da extrema pobreza e da pobreza, além da implementação de políticas voltadas para superar as contradições sociais, regionais, étnicas e de gênero. Para alcançar esses objetivos, será necessário um amplo programa de reformas estruturais e desenvolvimento econômico nacional.

Estratégia e Tática.

1. Nossa tática geral precisa estar subordinada ao objetivo estratégico de construção da revolução socialista. Dentro dessa tática geral, é sempre necessário elaborar um conjunto de táticas específicas para cada situação política e conjuntural. Essas diversas táticas podem e precisam ser flexíveis, pois devem levar em consideração a realidade objetiva, a correlação de forças em cada momento e o nível de consciência das massas exploradas e oprimidas. O caminho não é a estratégia nacional-libertadora ou democrático-burguesa e nem o “socialismo já” em abstrato, mas uma estratégia socialista adequada às particularidades brasileiras. Uma estratégia socialista que engloba dentro de si a questão nacional, democrática e social. As tarefas nacionais e democráticas não realizadas pela burguesia ganham, no nosso caso, um conteúdo proletário e popular e se processam no interior do acúmulo de forças para a estratégia socialista.

2. Partindo da concepção leninista de bloco, esse acúmulo de forças só poderá ocorrer com a constituição de um bloco das forças proletárias e populares – hegemonizado pelo proletariado, mas composto também por setores como a pequena-burguesia urbana e o campesinato – antimonopolista, anti-imperialista e antilatifundiário. O bloco é tanto material (classes sociais, forças efetivas etc.) quanto ideológico (cultural etc.), ou seja, ele busca construir outras instituições e outra ideologia, outra concepção de mundo, outro projeto histórico. Por isso que não podemos nos contentar com ficar a reboque de setores supostamente democráticos da classe dominante que na atual conjuntura fazem algum contraponto à extrema-direita. Não se trata de negar a unidade democrática conjuntural necessária para derrotar o fascismo, mas de compreender que, ao mesmo tempo, precisamos seguir permanentemente construindo nossos próprios instrumentos e nosso próprio projeto.

4. O bloco é permanente, não se confunde com uma coligação eleitoral e não existe uma receita para a expressão política deste bloco: pode vir a ser uma frente, um movimento, um partido, mais de um partido etc. É o próprio processo de constituição histórica do bloco que irá delinear sua expressão política. Cabe à LIGA COMUNISTA BRASILEIRA contribuir para a consolidação desse processo.

5. Em termos marxistas, entendemos por revolução o salto qualitativo que, em decorrência do acirramento da contradição entre o desenvolvimento de forças produtivas e as relações sociais de produção, muda a base, a estrutura econômica de uma dada sociedade, o seu modo de produção economicamente dominante. Quando o modo de produção economicamente dominante é substituído por outro, também se transforma, mais ou menos rapidamente, a superestrutura: as formas ideológicas jurídicas, políticas, culturais, artísticas, religiosas, filosóficas etc. de uma determinada formação social.

6. Notemos que aqui não são os fenômenos políticos os determinantes principais para constatar se houve ou não uma revolução, mas as transformações econômicas: a substituição de um modo de produção dominante por outro.

7. No caso da revolução burguesa, ela pode ocorrer tanto por vias clássicas quanto por vias não-clássicas, mas a diferença entre essas vias não muda o essencial: com a sua consolidação temos a generalização do trabalho assalariado e o modo de produção capitalista se torna economicamente dominante. Essa compreensão é importante para superar o esquematismo que projeta um único modelo (clássico) de revolução burguesa, e imagina que todos os países do mundo só consolidarão sua revolução burguesa quando repetirem todos os passos fenomênicos e políticos deste modelo.

8. Lênin, em sua obra sobre o Imperialismo, apresenta a Argentina como um país dependente que se difere dos países coloniais e semicoloniais. A dependência não se dá por falta de capitalismo, mas pelo caráter da modernização e do desenvolvimento capitalista que nos cabe na estrutura global do imperialismo que sempre será hierárquica e desigual. Portanto, enfrentar a dependência significa enfrentar ao mesmo tempo a ordem capitalista e o imperialismo.

9. Em Conferência Internacional realizada em 1969, a Resolução dos Partidos Comunistas e Operários já separava a análise da situação concreta na maioria dos países da América Latina daquela existente nos países coloniais e semicoloniais da Ásia e África, reconhecendo que na América Latina a maioria dos países conquistou a independência estatal no início do século retrasado; tendo em conjunto um relativo desenvolvimento capitalista em que se formou, cresce e se forja na luta um numeroso proletariado, tanto na cidade como no campo.

10. Vale também citar a Resolução da Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina e do Caribe, realizada em 1975 em Havana, que já reconhecia que: “O Socialismo é o único sistema capaz de garantir o desenvolvimento verdadeiro da América Latina com o ritmo acelerado que exigem nossos povos”.

11. As transformações que nos países centrais foram fruto do desenvolvimento capitalista, em nossa realidade só poderão se efetivar contra esse desenvolvimento, unindo-se desde o início ao processo cumulativo de construção das condições para uma revolução contra a ordem capitalista. Mesmo quando ainda consistem em revoluções dentro da ordem, elas só podem ser arrancadas pela pressão dos “de baixo”, entrando desde o princípio em confronto com o bloco de poder dominante. Esse confronto, se for contínuo e cumulativo no rumo de uma nítida estratégia revolucionária, só pode desembocar na ruptura com a própria ordem capitalista.

12. Uma organização política cujo objetivo seja a transformação socialista da sociedade deve ter como tarefa permanente a inserção no movimento de massas da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos da sociedade, especialmente entre a classe operária. É preciso que a LIGA COMUNISTA BRASILEIRA adote no próximo período uma linha de trabalho de massa nacionalmente unificada, inclusive com material próprio para agitação e propaganda, em torno da luta contra a escala 6×1 e contra a carestia de vida, contribuindo para a elevação do nível de consciência e de organização, de modo que, a partir da luta por objetivos imediatos — como aumento salarial, redução da jornada de trabalho, moradia, terra, educação, saúde, cultura, lazer e saneamento básico —, seja possível convencer um número crescente de pessoas sobre a necessidade de superar as próprias relações de produção capitalistas. A socialização dos meios de produção depende da tomada do poder do Estado pela classe trabalhadora e seus aliados, condição essencial para a criação de uma nova forma de organização social.

13. Com a derrota dos processos de transição ao socialismo no Leste Europeu, ocorrida há três décadas e meia, o movimento pela revolução socialista sofreu um extraordinário recuo em nível internacional.

14. Na América Latina e no Brasil, essa tendência não foi diferente. Os processos mais avançados no continente nas últimas décadas, com exceção da resistência heroica da Revolução Cubana, situam-se no campo das revoluções populares e progressistas em permanente conflito com a ordem social burguesa e o imperialismo. Ou seja, mesmo em oposição à ordem burguesa, essas experiências ainda não conseguiram avançar para adquirir um caráter socialista, rompendo com o domínio do capital. Esse é o caso da Venezuela, da Nicarágua e da Bolívia.

15. No Brasil, os governos encabeçados pelo Partido dos Trabalhadores se situam em um nível ainda inferior de enfrentamento às forças da ordem. Embora tenham ocorrido conflitos — como os que culminaram no golpe contra o governo Dilma em 2016 —, o nível de antagonismo com os interesses burgueses foi significativamente menor do que nos outros países citados. O atual governo Lula não possui a hegemonia sequer sobre um bloco reformista de orientação social-democrata. Sua composição inclui tanto setores reformistas quanto representantes dos monopólios capitalistas, do latifúndio e do capital financeiro, que hegemonizam o bloco e impõem sucessivos recuos ao governo.

16. No âmbito da linha política a seguir sob o governo Lula/Frente Ampla, em uma conjuntura de pressão permanente da extrema–direita, consideramos que nosso caminho não é o mais fácil. Recusamos tanto a linha de oposições sectárias, vanguardistas e isoladas da realidade concreta, quanto as posições cooptadas pelo adesismo acrítico ao governo. Nosso caminho é o das lutas concretas e mais avançadas da classe trabalhadora. Temos autonomia política frente ao governo Lula/Frente Ampla, e buscamos incentivar a organização política e as lutas sem esquecer as fortes ameaças da extrema-direita.

A Nossa Tática Diante da Atual Conjuntura.

1. A estratégia da revolução socialista no Brasil, postulada pelos comunistas da LIGA COMUNISTA BRASILEIRA, passa pela defesa de um tripé: a questão nacional (defesa da completa soberania nacional), a questão social (defesa do fim das desigualdades sociais, da exploração, bem como a defesa e ampliação dos direitos sociais e trabalhistas) e a questão democrática (defesa de outra democracia, com um Estado que reforce o poder político das massas trabalhadoras, além da garantia de todos os direitos civis). Portanto, toda a nossa tática deriva da defesa desse tripé.

2. Na atual situação, é absolutamente vital que as organizações que adotam uma estratégia socialista consigam se diferenciar do governo e se apresentar com autonomia diante da classe trabalhadora e demais setores oprimidos. É evidente que o quadro de pressão permanente da extrema-direita e o oportunismo da direita clientelista obrigam-nos a estar sempre em condições políticas para defender o governo das ofensivas golpistas da extrema-direita e seus possíveis aliados do chamado “centrão”. No entanto, a esquerda não pode se enredar nos limites do governo. É absolutamente necessário que as forças populares dirigidas pela esquerda consigam fazer a crítica pública e organizar a luta contra todas as medidas que retiram direitos da classe trabalhadora e demais setores empobrecidos da sociedade.

3. Para nos diferenciar do governo, ou de outras forças políticas que consideremos com orientação equivocada, não podemos reproduzir uma mera diferenciação discursiva e autodeclaratória. Isso deve ser demonstrado nos discursos, mas principalmente na prática, com nosso compromisso com as causas populares, com nossa participação efetiva nas lutas e no apoio à organização popular, na defesa de suas causas, no respeito ao processo de elevação de consciência (evitando tomar decisões de cima para baixo), no cuidado com a composição com nossos aliados, na elaboração cuidadosa de estratégias para os mais diferentes contextos, sem cair no uso da posição revolucionária como uma autojustificação para erros, faltas ou dificuldades.

4. É fundamental que as organizações de esquerda saiam da situação de reboque em relação ao governo, que está manietado pelas alianças que fez com a direita. Situação que, diga-se de passagem, não se deve apenas a uma correlação de forças desfavorável, mas também ao resultado da tática política do petismo, marcado pela busca incessante da conciliação com setores da direita. Se a política de conciliação com as forças conservadoras já é danosa em tempos mais favoráveis aos trabalhadores, nos tempos atuais, de recuo, ela é ainda mais desastrosa, pois desmobiliza, desorganiza e despolitiza a classe trabalhadora, recusando-se até mesmo a organizar a resistência contra as pressões e ameaças da burguesia e seus operadores políticos.

5. Nosso esforço não deve ser para consolidar um processo de oposição sistemática ao governo Lula. No entanto, é crucial que a esquerda e as organizações populares que a esquerda dirige se posicionem de forma autônoma em relação ao governo, façam a crítica pública aos erros e insuficiências do governo, busquem conscientizar a classe trabalhadora e setores aliados sobre a necessidade de mobilização e ocupação das ruas para defender as pautas historicamente defendidas pela classe trabalhadora. Além de não aceitar nenhuma regressão de direitos, é necessário conscientizar e mobilizar para a revogação das contrarreformas já realizadas, como a trabalhista e a previdenciária, por mais investimentos no serviço público em todos os níveis, em defesa da reforma agrária e de uma política pública mais abrangente e massiva de habitação popular, pela desprivatização e controle público de empresas produtoras de valor novo, como a Petrobras, a Embraer, a Companhia Vale do Rio Doce etc. É preciso revogar a Lei do Arcabouço Fiscal, pois está claro que só o povo pobre está pagando a conta dos lucros cada vez maiores dos especuladores. E um ponto fundamental: a defesa da mais completa soberania nacional.

6. Não basta que o posicionamento sobre todos esses assuntos seja exercido apenas “internamente”, ou seja, apenas dentro das organizações alinhadas com o governo, ou dentro das organizações de esquerda que tenham como audiência apenas a militância do campo popular. A aceitação dessas condições, a pretexto de preservar o governo como anteparo contra o fascismo, acaba por deixar a esquerda e as organizações populares dirigidas pela esquerda em silêncio até mesmo diante da retirada de outros direitos da classe trabalhadora e do povo pobre em geral, como ocorreu por ocasião da aprovação do pacote de ajuste fiscal no final de 2024. Sob o pretexto de proteger o governo contra as investidas da extrema-direita, grande parte da esquerda está renunciando à incontornável obrigação de ser sincera com a base social que pretende dirigir, renunciando à sua obrigação vital de trabalhar sempre pela elevação do nível de consciência, aprimoramento do nível de organização e avanço da capacidade de mobilização e luta.

7. Para além de combater a ideologia da classe dominante; para além de fazer todo o esforço de isolar o fascismo da base social proletária; para além de fazer a crítica cotidiana aos erros e insuficiências do governo “reformista” (sem reformas); a esquerda e os comunistas precisam se apresentar como alternativa política. O que inclui os processos eleitorais, momento privilegiado em que a classe trabalhadora e o povo discutem política. A esquerda tem passado as últimas duas décadas apontando erros e insuficiências de um governo social-democrata para, depois, nos processos eleitorais, apoiá-lo por falta de alternativa. Para não cairmos novamente na tática de apoio à social-democracia por falta de opção para barrar a extrema-direita, essa alternativa de esquerda na qual os comunistas se somariam precisa ser construída antecipadamente, com nossa inserção nas lutas de massa, ganhando apoio e influência entre a classe trabalhadora para que, de acordo com a conjuntura eleitoral do momento, possamos definir nossa tática. De qualquer modo, é preciso que a meta dos comunistas seja a construção de um campo político que nos processos eleitorais se apresente como força capaz de incidir nas eleições e se apresentar para as grandes massas da classe trabalhadora como alternativa.

8. Naturalmente, o exercício da política não se dá apenas nos processos eleitorais, embora seja assim que a massa do povo brasileiro o entenda. Precisamos atuar permanentemente em todos os setores sociais de base onde pudermos nos inserir. Seja no movimento sindical, no movimento juvenil, no movimento por mais acesso à cultura, na luta por moradia e reforma urbana, terra, emprego digno, esporte, lazer, educação, saúde, proteção da vida e da qualidade de vida. Participar das associações de bairro pode ser um meio de acessar mais pessoas para o trabalho, permanente ou esporádico, por todas as bandeiras citadas acima, dentre outras. Todos os possíveis trabalhos específicos devem estar sempre direcionados para a conquista ou preservação de direitos, e a militância comunista precisa ter paciência para todos os níveis de consciência e para todas as fases da luta, e, ao mesmo tempo, ter perspicácia e energia para ir inserindo elementos políticos e ideológicos que propiciem a elevação do nível de consciência. Toda luta por direito, mesmo que muito elementar, é legítima e digna, e deve ser respeitada e valorizada pela militância comunista. Mas em todas as lutas básicas e elementares, os(as) comunistas devem, com tato e paciência, inserir um conteúdo a mais, que possa ir abrindo o horizonte para a compreensão de que a emancipação efetiva do povo trabalhador depende de mudanças estruturais nas relações de produção do conjunto da sociedade.

Mediação com os Movimentos de Massa.

1. Como sabemos, nenhuma organização se torna vanguarda simplesmente por declarar-se vanguarda. Nem mesmo a melhor elaboração estratégica, o melhor programa ou os mais elevados princípios atestam que uma organização seja vanguarda ou garantem que venha a ser. Embora uma estratégia correta, um programa adequado e a lealdade aos princípios sejam condições necessárias, uma organização só se torna de fato vanguarda na medida em que passa a ser reconhecida como referência política para a classe trabalhadora e demais setores oprimidos da sociedade. Ao mesmo tempo, o reconhecimento como vanguarda é sempre parcial, pois muitas outras organizações disputam esse mesmo espaço.

2. Tornar-se referência é um desafio constante e tem mais a ver com a disputa no terreno do que com as concepções. As concepções e os posicionamentos são, evidentemente, fundamentais, mas só se realizam quando levados para a disputa no terreno real da luta de classes ou de outros conflitos sociais, como, por exemplo, a luta pela igualdade de gênero, contra o racismo e a homofobia, em defesa do meio ambiente, além das várias disputas existentes e possíveis por acesso à educação, saúde, cultura, lazer, e ao direito de usufruir da cidade e dos ambientes sociais em geral.
3. Não existe e não existirá organização comunista com grande reconhecimento político sem uma importante capacidade de direção real de setores da classe trabalhadora e de outros setores oprimidos. Todos os outros trabalhos do partido são necessários, essenciais, mas, para fora da própria organização, o que conta é a capacidade de convocação e de direção de setores da classe trabalhadora e demais setores oprimidos. Até mesmo nas relações internacionais, as organizações são ouvidas e têm as portas abertas na mesma proporção em que dirigem setores de massa.
4. Nosso desafio é construir uma organização com significativa capacidade em todos os aspectos e em todos os trabalhos necessários para a existência de um partido revolucionário. Mas, ao mesmo tempo, todos e todas precisamos saber que o esforço só vai se concretizar para os olhos do mundo na medida em que formos tendo mais êxitos em termos de inserção no movimento de massas. Não existe salto nem assalto aos céus sem que haja sustentação política de bases sociais robustas.
5. Para se tornar referência — condição necessária para ser vanguarda — além de boas posições, é necessário que militantes de carne e osso ocupem os espaços sociais e entrem nesses espaços para disputar. As redes sociais podem ajudar muito nesse trabalho, mas não substituem o trabalho no terreno, no espaço social real. A construção de um partido revolucionário depende, além de boas posições, da participação efetiva da militância nas lutas. Os militantes precisam estar presentes em todos os espaços sociais, fomentando os debates e buscando ampliar a consciência das bases, ajudando na organização popular, apoiando as lutas, dando suporte a lideranças honestas e posições justas, fazendo a disputa ideológica em prol dos interesses da classe e dos benefícios da união dos diferentes segmentos populares em torno de um projeto de poder comum, combatendo a ideologia burguesa em suas várias versões, denunciando e combatendo a burguesia e seus aliados. Nesse sentido, precisamos manter a intervenção em contextos como as redes sociais, o debate acadêmico etc., mas isso não pode nunca substituir o trabalho onde as pessoas efetivamente estão, nos territórios, no espaço social real.

6. É um desafio para a organização política que pretenda se tornar vanguarda realizar o planejamento de sua inserção no movimento de massas. Uma organização política cuja estratégia seja a transformação socialista da sociedade — o que só pode ser realizado através de uma revolução social — precisa se organizar para conscientizar e convencer cada vez mais pessoas a participar e ajudar a construir uma contracultura que leve ao rompimento com os valores da sociedade vigente, que estude formas de renovar e reafirmar a simbologia, cultura e história revolucionária, de forma a colaborar para a aproximação e fortalecimento do vínculo da organização com as massas trabalhadoras. Isso torna o desafio maior, pois não basta uma postura questionadora ou crítica que permaneça dentro da ordem; é preciso elevar a consciência para fora do senso comum e, ainda, para além da luta pelos direitos imediatos. Nosso inimigo tem condições e capacidade para atender parte das demandas imediatas da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos da sociedade. Quando um movimento adquire força, ele alcança aumento de salário, melhores condições de trabalho, respeito às pautas importantes, como adoção de medidas antirracistas, antimachistas, anti-homofóbicas, maior proteção ao meio ambiente, melhor atendimento momentâneo em certos serviços públicos etc. A luta por tudo isso é necessária, mas não é, por si só, suficiente para garantir o acúmulo de forças para a revolução socialista. Muitas vezes, até o contrário: as conquistas imediatas criam na massa que participa dela a falsa sensação de que se pode ir melhorando o mundo paulatinamente até se chegar ao socialismo, o que é uma ilusão. Ou, pior ainda, alimenta em parte da massa a falsa ideia de que é possível viver para sempre bem dentro do capitalismo.

7. Aqui, é necessário deixar bem claro outro entendimento: não há como ser vanguarda de qualquer movimento sem entrar para dentro dele e participar da sua luta cotidiana. Não pode existir dentro da organização militante sem tarefa. Isso implica ajudar a construir o movimento pelas conquistas imediatas, sejam elas de ordem trabalhista ou de garantias sociais. Ou seja, não é de longe, de fora, ou mesmo apenas fazendo solidariedade que se chega à condição de vanguarda (referência, direção) de um movimento de massas, seja ele sindical, estudantil, por moradia, por terra, por direitos, por dignidade. É preciso mais do que se solidarizar ou dar suporte externo, é preciso entrar para dentro e participar da organização e da operacionalização das lutas.

8. Mas não é preciso uma condição excepcional para fazer isso. É preciso tempo, dedicação, boa política e apoio da organização quando necessário. Todas as pessoas podem atuar para se tornar referência em seu local de trabalho, estudo, moradia, lazer. Basta apurar seu tino de observação sobre o que pode ser feito em cada realidade social e captar posturas de outras pessoas que possam se interessar em dar passos coletivos para avançar na mesma direção. Este é o começo de um trabalho que, com o tempo (maior ou menor), pode proporcionar novas pessoas para a militância pela transformação social.

9. Uma organização política de caráter comunista e revolucionário pode fazer isso de forma direta: as pessoas que nela militam, em seu local de trabalho, estudo ou moradia, entram nos movimentos existentes ou criam movimentos para a busca de direitos elementares para seus iguais e, a partir disso, buscam captar novas pessoas para sua organização política. É possível fazer assim, e muitas vezes dá certo, ou acontece mesmo sem um plano para isso. Mas a organização política revolucionária pode criar espaços de mediação dirigidos por ela, que facilitem a aproximação gradual do sentimento genérico por justiça social à consciência mais elevada, até chegar à compreensão da necessidade da transformação socialista da sociedade.

10. Partidos e organizações políticas, dos mais diversos espectros, têm criado espaços organizativos de aproximação ou de direção do movimento de massas. Historicamente, as organizações e partidos de esquerda têm correntes sindicais e agrupamentos juvenis para ampliar e facilitar esse trabalho de aproximação com o movimento de massas proletário e juvenil. Nas últimas décadas, muitos partidos têm organizado movimentos para acolher e desenvolver políticas a partir de demandas como a organização das mulheres, negros e negras, LGBTQIA+ e PCD. Entendemos que esses movimentos de enfrentamento das opressões, assim como o movimento em defesa do meio ambiente, de acesso à cultura, ao lazer, entre outros, são importantes e devem fazer parte, política e organicamente, do movimento geral pela emancipação humana em relação à exploração capitalista e todas as formas de opressão. O comunismo é incompatível com qualquer forma de preconceito e discriminação. A organização política que não absorver as lutas contra todas as formas de opressão está fechada em um padrão comportamental da sociedade atual, que queremos revolucionar. As organizações sindicais de massa também precisam sair do campo estritamente trabalhista para ver a classe trabalhadora em sua vida social como mulher, como negra ou negro, como afetiva e sexualmente diversa.

11. Nossa organização comunista pode ser, ela própria, o instrumento único para a captação de novos militantes para a construção partidária. Mas entendemos que a criação de instrumentos organizativos de mediação pode facilitar bastante nossa atuação no movimento de massas, seja ele proletário e popular, seja ele juvenil.

12. Nosso entendimento é que devemos transpor a ideia e o conceito de corrente sindical para tratar das questões do mundo do trabalho, pois devemos adotar a posição de que a organização da classe trabalhadora vai além do espaço sindical e, mesmo, além do espaço do trabalho propriamente dito, pois, a classe tem “vida além do trabalho”. A classe trabalhadora, além de estar hoje sujeita às mais variadas formas de exploração, em virtude da quebra de direitos trabalhistas e da informalidade do trabalho, é plural em sua composição étnica, de gênero e de orientação sexual. Os espaços organizativos que pretendem organizar a classe trabalhadora precisam ir além da sua formalidade legal ou funcional. Por isso, entendemos que a antiga “corrente sindical” deve ser hoje criada como espaço de organização de massa da classe trabalhadora em seu conceito mais amplo, também popular e social. Concretamente propomos a criação de um movimento de caráter sindical e popular com objetivo socialista, como espaço de mediação da LCB com a massa, no trabalho cotidiano no interior da classe trabalhadora e de todos os movimentos sociais que organizem setores da classe trabalhadora, inclusive em sua diversidade étnica, de gênero e de orientação sexual, para além do espaço formal da relação de trabalho, ou seja, também nas lutas por moradia, terra, cultura, educação, saúde, lazer.

13. Tendo constituído um instrumento nacional de mediação da nossa organização com a classe trabalhadora e com todos os setores oprimidos da sociedade, podemos articular também movimentos específicos para atuação dentro das comunidades, buscando ocupar espaços nos territórios onde vive a maioria da nossa classe e onde existe um conjunto enorme de demandas populares. Essa territorialização do movimento será o meio mais eficiente para consolidar nossas posições e resistir ao “empastelamento” promovido pelos grandes meios de comunicação e pelos algoritmos das plataformas digitais.

14. Na mesma perspectiva e com os mesmos métodos, podemos constituir uma organização juvenil de mediação da nossa organização com os mais diversos setores juvenis. Uma organização juvenil pode vir a ser uma escola de formação de futuros militantes e quadros. Na medida das possibilidades, é muito importante que atue para além do movimento estudantil, que entre nos espaços de construção cultural, no cotidiano dos territórios onde o Estado se apresenta apenas com suas garras opressoras.

15. A criação de uma juventude é necessária pela especificidade da atuação juvenil. É importante que fique sempre nítida a relação da juventude com a organização partidária e que haja uma periodicidade constante de plenárias conjuntas entre juventude e partido, evitando a criação de antagonismos. Um partido que supere o sectarismo, o anacronismo, a cristalização de postos e de posições etc. será um partido capaz de agregar em vez de afastar a juventude.

16. A organização juvenil e a organização de massa são organizações auxiliares e que devem ser dirigidas pela organização LIGA COMUNISTA BRASILEIRA. Essa relação deve ser de respeito e ter militantes da LCB que vão priorizar o trabalho nesta instancia e organização.

17. Num primeiro momento, para dar início ao processo de organização de um instrumento de organização popular e sindical e de um instrumento de organização juvenil, é possível fazê-lo destacando camaradas para começar esse trabalho. Realizar reuniões ou ativos de debates internos para aprofundar o entendimento geral sobre as propostas e começar o trabalho. É importante que nosso evento de fusão já destaque camaradas para organizar e propor um calendário com esse objetivo.

18. Devemos incluir no planejamento de trabalho de massa da nossa Organização, a política de internacionalismo através da viabilização do envio de militantes para as brigadas de solidariedade a Cuba, possibilitando que militantes conheçam a experiência cubana e de outros países apoiando os trabalhos da Associação José Martí.
19. A tarefa no momento é a de atuar nas lutas e de organizarmos o povo, tanto nos movimentos de massa e juventude quanto trazendo quadros que se destaquem para a LIGA COMUNISTA BRASILEIRA. Primeiramente a formação e avanço desse movimento de massas e movimentos de juventude, garantindo uma penetração nas organizações especificas já existentes e criação de novos espaços de democracia proletária socialista. As táticas variam de acordo com a conjuntura local, destacando-se a importância de espaços de debates constantes, formação política da nossa militância para garantir a qualidade da nossa ação prática, inserção em lutas como: pelo fim da escala 6×1, pelo transporte público etc.

20. Nossa estratégia é a luta pela revolução socialista, entendida não como um salto do nada para a tomada do poder e a socialização dos meios de produção, mas como um processo de acúmulo de forças que parte das condições existentes para criar as possibilidades políticas de impor derrotas ao nosso inimigo estratégico: os monopólios capitalistas nacionais e estrangeiros, o agronegócio, a mineração exportadora, e o sistema financeiro, conectado ao sistema internacionalizado, que constitui a fração burguesa hegemônica no Brasil. Esse processo deve se desenvolver até que seja possível a tomada do poder político pelo proletariado e suas forças aliadas.