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O BRASIL E A FACE BESTIALIZADA DO FASCISMO.

Artigo de opinião por Odair Dias Filho

Ao longo de sua história, o Brasil teve breves momentos de democracia. A construção de nosso Estado sob a perversidade do escravismo colonial transatlântico, da escravidão indígena e diversos e longos períodos de autoritarismo, ditaduras e revezamento das velhas oligarquias regionais.

As Ordenações Filipinas, embrião do código Penal brasileiro que regulamentava a escravidão e transformava vidas negras escravizadas em propriedade de senhores escravocratas, seguem vivas no espectro das nossas elites antidemocráticas, racistas, machistas e propagadoras de todas as formas de intolerância e de um ódio que se mantem e se renova.

Sim, o ódio se renova em sua forma de propagação, de intervenção e implementação, encontra novos instrumentos, armas e instituições. E hoje, esse ódio promovido pela extrema-direita se utiliza inclusive das instituições que, após o fim da ditadura civil-militar, ressurgem como baluarte de luta por justiça social, e por um modelo político que comtemple a participação popular e o controle social.

Os sucessivos golpes e tentativas de abolir a democracia não são novidade no país do futebol. Não querendo aqui conduzir essa breve reflexão ao realismo fantástico da literatura ou ao multiverso da cultura pop, trago aqui uma breve ilustração através de uma besta mitológica que representa de forma singular essas questões acima descritas.

A Hidra de Lerna, monstro da mitologia grega, é uma besta com corpo de dragão e diversas cabeças. Precisar o número de cabeças inicialmente traz versões que vão de três a sete, que se multiplicavam cada vez que eram decepadas. Cortava-se uma, nasciam duas, e assim por diante. A fera tinha imensa força, seu hálito era venenoso, tal qual seu sangue, que também era fatal aos heróis que tentavam lhe enfrentar.

Retomando a história do Brasil, ainda que não possamos nos aprofundar nessas breves linhas, é preciso trazer elementos importantes que apontam para a atualidade. Marx nos diz que a história acontece primeiro como tragédia, depois como farsa. Ainda nesse contexto, em sua obra “Teses sobre o conceito de história”, Valter Benjamin diz que o passado é um “por vir”. A dinâmica das relações sociais, seus conflitos e contradições no campo da política e da historiografia, podem apontar para a redefinição do passado, que automaticamente reconstrói o futuro e sua perspectiva de mudança, podendo repetir ditaduras e reinventar o nazifascismo.

O Brasil hoje atinge níveis novos de organização da extrema-direita. O que convencionamos de certa forma chamar de bolsonarismo, já não precisa tanto da figura do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro para se manter organizado e avançar em seus objetivos.

A participação de militares nos golpes e tentativas golpistas não é novidade desde a Proclamação da República, a exemplo da participação de militares na chamada revolução de 1930, no golpe do Estado novo na tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek ou de João Goulart.

Militares também estiveram envolvidos na pressão pela renúncia de Getúlio Vargas, assim como militares anistiados por JK atuaram ativamente no golpe de 1964. Havia militares na pressão pela derrubada de Dilma Roussef, que culminou no golpe parlamentar de 2016. Enfim, eles continuam atuando politicamente nos moldes daquilo que Renê Dreifuss chamou de Partido Militar.

Retomando a metáfora da hidra e suas diversas cabeças, hoje esses setores que têm um projeto econômico ultraliberal e entreguista e uma pauta moral extremamente intolerante, expressam uma aliança que envolve os setores mais atrasados da burguesia, principalmente o agronegócio, mas também redes de varejo, logística e outras áreas.

Essa frente amplia suas ações com base em setores neopentecostais, que atuam como novos templários com virulência e reiterado fundamentalismo religioso, alcançando grande massa de fiéis que, muitas vezes, reproduzem um discurso reacionário de ódio e preconceito.

Essa miscelânia, esse Frankestein, ganha corpo e força, transformando-se na Hidra de Lerna, com várias cabeças e os respectivos poderes e subterfúgios. Essa extrema-direita tem ainda um forte aparato institucional com uma forte bancada no Congresso e no Senado, nas Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais, Prefeituras, Governadores e no Judiciário.

Construíram uma máquina de fake news que alimenta e mobiliza opinião e grupos extremistas. Quando ocuparam o governo utilizaram a estrutura do Estado, a inteligência e a repressão para perseguir desafetos e adversários, reproduzindo o tal discurso anticomunista. Uma reedição que já dura décadas. Assim essa máquina de comunicação é tão eficiente que tem obtido êxito em ocupar espaços de hegemonia nas novas formas de comunicação nas redes sociais.

Essa máquina de fake news é como o bafo da Hidra de Lerna, cuja boca com suas presas também dilacera, não apenas pessoas, mas seguimentos sociais inteiros, como a população LGBTQIA+., a população negra, o movimento feminista e outros, além de propagar ataques às religiões de matriz africana.

A derrota desse monstro era um dos trabalhos de Hércules, que derrotou a besta com a ajuda do seu sobrinho, Lolau. O Herói cortava  a cabeça enquanto seu aliado cauterizava o pescoço com uma tocha. Assim deve ser nossa ação. O STF nos deu um exemplo nesse sentido. Cortar a cabeça e ir eliminando as possibilidades de nascer outra. Mas as garras da besta seguem afiadas, ainda há muitas mães alimentando esse monstro que está longe de ser derrotado.

Agora é “sem anistia”, além dos tribunais. A ação política contra hegemônica é inadiável, a defesa da democracia e da justiça em sua mais alta definição é imprescindível. É democracia ou barbárie.

Odair Dias Filho – Professor Universitário, Assistente Social, Pesquisador, Escritor e Poeta

Publicado em 04/10/2025