Menu fechado

RESOLUÇÃO DE CONJUNTURA NACIONAL

COMITÊ CENTRAL DA LIGA COMUNISTA BRASILEIRA – LCB

27/09/2025

1. A natureza da crise brasileira atual se situa na opção das frações mais financeirizadas e internacionalizadas da burguesia nacional de aprofundar a condição dependente do capitalismo brasileiro no âmbito do sistema imperialista. Ao longo do século XX, a pressão de setores sociais progressistas, incluindo a classe operária, forjou um desenvolvimento urbano-industrial baseado em grandes centros metropolitanos. Esse capitalismo exigia a formação de grandes estoques de força de trabalho para reduzir os salários em grandes cidades sem estrutura básica de serviços públicos, o que era garantido pelo êxodo rural e a modernização da agricultura, que expulsava o trabalhador do campo para a cidade. Formou-se, junto a classe operária e setores terciários modernos como bancários e funcionalismo público, uma grande massa de trabalhadores ligados a um setor terciário de baixa intensidade e precarizado.

2. Em termos concretos, essa mutação significou: (1) deslocar o eixo da acumulação do capital para a financeirização e a agromineração exportadora; (2) reduzir a produção industrial a uma posição marginal; (3) aprofundar a subordinação do Brasil ao imperialismo pela eliminação de qualquer resquício de soberania nacional (econômica, política, diplomática, monetária, industrial, alimentar, militar, científica e tecnológica); (4) acentuar os níveis de superexploração dos trabalhadores por meio da proliferação de formas de trabalho informais e precarizadas, com a destruição de toda a legislação protetora do trabalho, da previdência e da seguridade social. O resultado dessa mutação é uma diminuição da classe operária e da própria importância da atividade industrial. O mesmo ocorre com as atividades de um terciário moderno. Como alternativa ocupacional, desde a década de 1990 tem se expandido atividades econômicas desse terciário de baixa intensidade tecnológica, atualmente classificadas como empreendedorismo. A crise brasileira, portanto, representa o aguçamento das contradições presentes na própria estrutura do capitalismo brasileiro, baseado numa associação da burguesia brasileira com o capital financeiro internacional, o que requer elevados níveis de superexploração da massa trabalhadora para garantir altas taxas de concentração da renda e da propriedade.

3. Para manter um alto grau de acumulação, o que nos transforma num dos países mais desiguais do mundo, o capitalismo brasileiro aprofunda as contradições sociais de natureza racializada (pretos e pardos ganham menos e ocupam os piores empregos), regionalizada (trabalhadores no Nordeste tem salários e condições de vida mais degradantes e a região funciona ainda como reservatório de força de trabalho barata) e de natureza sexualizada (mulheres ganham menos e mulheres negras ocupam as piores posições em termos de salário e de ocupação). Um dos resultados é o consequente aprofundamento da autocracia burguesa e a blindagem do Estado, mesmo sob um regime formalmente democrático, às pressões reformistas, democratizantes e igualitárias das massas trabalhadoras.

4. Essa política não cessou um momento sequer, independente do verniz dos partidos que governaram o país desde a redemocratização. O que mudou entre os governos foi a forma como essas políticas foram aplicadas, a profundidade dos ajustes necessários a implementá-las e quais as facções burguesas as mais beneficiadas no âmbito desse projeto. As facções políticas burguesas disputam entre si quem levará a melhor nessa política de assalto à riqueza nacional.

5. O terceiro governo Lula não deteve essa política de saque e pilhagem da riqueza nacional. As privatizações promovidas pelo governo federal continuam com apoio do BNDES. Recentemente o governo autorizou uma inédita privatização-concessão de hidrovias. Apesar de ter prometido em campanha que não o faria, o governo anunciou que vai privatizar o metrô do Recife e de Porto Alegre. Na gestão da política econômica, os interesses do rentismo estão blindados. Sob o comando do ministro Fernando Haddad, aprovou-se a política de restrição orçamentária batizada de Arcabouço Fiscal, que impõe na prática uma limitação ao crescimento do gasto público. Para cumprir as regras do Arcabouço, ministros do governo tem anunciado que vença quem vencer a eleição em 2026, os mínimos constitucionais em educação e saúde terão de ser alterados. No caso do Banco Central, órgão responsável por definir a política monetária e de juros, mesmo com o governo tendo indicado o novo presidente, Gabriel Galípolo, e tendo maioria no Conselho Monetária Nacional, a política de juros altos que faz a alegria dos parasitas do sistema financeiro não é alterada. Não há qualquer indício de que a política de preços da Petrobrás, baseada no dólar e de interesse do rentismo que detém ações preferenciais da empresa e acumula lucros extraordinários, será alterada.

6. Prepondera, portanto, um consenso burguês que une o conjunto da classe dominante brasileira e suas instituições em torno da aplicação de um duro projeto de ajuste baseado num novo ciclo de saques e pilhagem do patrimônio público via privatização e concessão por meio de PPP’s, combinada a destruição dos direitos sociais (como a reforma da previdência, ataques ao BPC e a ameaça de acabar com os pisos mínimos constitucionais em educação e saúde), trabalhistas (com a reforma trabalhista, a prevalência do legislado sobre o negociado e a ameaça de pejotização geral das relações de trabalho) e as ameaças sobre comunidades tradicionais como indígenas, quilombolas e ribeirinhos (em que a tese do Marco Temporal paira como ameaça mais imediata). Nessa empreitada, unem-se todas as principais instituições da República para desferir ataques contra o povo: Presidência, Câmara dos Deputados, Senado e STF. Apesar desse consenso, observa-se a formação de dois grandes blocos burgueses que se colocam em disputa pela hegemonia política e ideológica.

7. Um é constituído por uma burguesia mais tradicional, formada ao longo do século XX e apoiada em alguns grandes veículos de comunicação como as Organizações Globo e nos velhos bancos como Itaú-Unibanco e Bradesco. Politicamente esse setor, autointitulado de Terceira Via, antes representado pelo PSDB, hoje se encontra órfão de uma expressão partidária autêntica e é incapaz de construir uma via de representação própria, tendo de se aliar ao lulismo muito a contragosto para manter relevância institucional. Advogam um tipo de gestão neoliberal com “rosto humano”, alinham-se a valores culturais cosmopolitas, defendem que o processo de acumulação de capital pode ser combinado a uma preservação do meio ambiente e de respeito às comunidades tradicionais. Ligam-se a pautas progressistas como o combate às discriminações de gênero e raça, além de defenderem a permanência de um regime democrático-burguês como forma de gestão estatal. Ainda que adeptos da manutenção do Brasil em uma condição de dependência defendem certa margem de autonomia e de manobra nas negociações com o imperialismo.

8. A outra é formada por uma nova burguesia que emerge a partir dos novos processos de acumulação rentístico-financeiros e da expansão da agromineração. É nela que reside a força do bolsonarismo, que agrega um conjunto de interesses de uma burguesia marginal, no sentido literal e figurado da palavra. Parte dessa burguesia está profundamente vinculada a atividades criminosas, ao tráfico, às milícias, ao crime organizado e a mineração clandestina. Por isso advogam por um tipo de gestão estatal violento e sem considerações de ordem humanitária. São adeptos radicais da completa desregulamentação da economia e do desmonte dos órgãos de fiscalização e controle, pois isso facilita o exercício de suas atividades criminosas. Em seu interior também prosperam segmentos médios que temem a proletarização, o aumento da concorrência no mercado de trabalho e a perda de prestígio social fornecido pelo consumo e pelas ocupações. Alinham-se a valores culturais e ideológicos reacionários e conservadores como o racismo, o elitismo e o machismo explícitos. Sua demagogia ao mesmo tempo moralista e de aparência antissistêmica confunde até mesmo setores mais atrasados do proletariado. Defendem abertamente por uma ditadura de corte fascista como forma de gestão do Estado burguês. Do ponto de vista das relações internacionais defendem uma submissão completa e um alinhamento automático do Brasil ao imperialismo estadunidense. Ainda que debilitados pelo confronto intraburguês pairam como uma ameaça, a qual os setores mais conscientes das massas trabalhadoras precisam considerar seriamente. Terão de ser enfrentados por meio da formação de frentes unitárias de luta que agreguem setores das classes dominadas e suas organizações, como se tem caracterizado a Internacional Antifascista da qual compomos sua direção.

9. Esse conflito intraburguês é a causa da instabilidade institucional observada nos últimos anos, pois cada facção se escora em um ramo do aparelho de Estado para levar a cabo sua agenda e enfrentar o bando oponente. O Supremo Tribunal Federal e o Senado tem sido os espaços por excelência das facções ligadas à burguesia tradicional. Tudo indica que pela forma constitucional de escolha de seus membros, o STF continue a ser por algum tempo o espaço de representação institucional dessa burguesia mais tradicional. Já a Câmara dos Deputados se tornou o espaço de atuação justamente da burguesia que emerge com o bolsonarismo, profundamente ligada aos interesses das oligarquias regionais. A luta do bolsonarismo pela prevalência absoluta das decisões tomadas pela Câmara dos Deputados, sob a alegação cínica de que seus membros foram eleitos pelo “povo”, é justamente uma forma dessa burguesia arrivista e marginal fazer prevalecer seus interesses sem qualquer limite ou restrição constitucional revista pelo Senado e interposta pelo STF. Os exemplos são a PEC da blindagem, a decisão de colocar para aprovação do Congresso a demarcação de terras indígenas e de submeter ao Congresso decisões do colegiado do STF que não obtenham maioria qualificada de votos. Já a presidência da República é um espaço em disputa e está, atualmente, ocupada por uma personalidade que construiu sua vida política colada a um campo democrático e popular, mas que na prática não se peja em aplicar a agenda econômica hegemônica da burguesia brasileira. Nas polícias militar e civil, sob controle dos governadores, prepondera uma adesão maior ao discurso da burguesia bolsonarista. As Forças Armadas, apesar de alguns membros de seu alto escalão estarem sendo julgados e condenados por causa da intentona golpista, segue sendo instrumento privilegiado das classes dominantes nos momentos em que algum golpe, seja sob forma suave e institucional, seja sob forma aberta, precisa ocorrer. Por fim, nos governos estaduais e prefeituras, espaço de expressão das oligarquias regionais e locais, também é grande a adesão a facção bolsonarista da burguesia, pois estão interessadas na agenda de assalto do patrimônio público. Os municípios também são o espaço de expressão da pequena e média burguesias que, por serem, dentro do campo burguês, os mais afetados pela concorrência capitalista dominada pelos grandes monopólios, assumem uma posição de defesa mais ferrenha da agenda regressiva.

10. Esse conflito também expressa uma disputa concreta que é a luta concorrencial entre os monopólios e grandes grupos empresariais privados, em que cada qual se afilia a uma expressão político-partidária-ideológica, bem como se apoia em ramos específicos dos aparelhos de Estado para garantir a primazia dos seus interesses. No setor das telecomunicações há uma disputa entre grandes conglomerados nacionais de mídia que opõe, por exemplo, as Organizações Globo contra a Record. No mesmo sentido há uma disputa no seio do capital financeiro e bancário que opõe setores tradicionais como o Itaú-Unibanco e Bradesco, aos novos bancos de investimentos e de aplicação financeira localizados principalmente na avenida Faria Lima, em São Paulo, caso do BTG Pactual, capazes de concorrer com os bancões nos processos de privatização.

11. A disputa entre as distintas facções burguesas, num contexto de aumento da dependência do Brasil em relação ao imperialismo, faz com que ambos os campos busquem apoio em forças políticas internacionais. Partidos e personalidades ligadas à burguesia tradicional, inclusive segmentos políticos de partidos da esquerda, mantém profundos vínculos com o Partido Democrata e instituições que financiam suas atividades. Já partidos e personalidades ligadas à burguesia que emerge com o bolsonarismo mantém vínculos profundos com o Partido Republicano. A luta da burguesia bolsonarista é a de aproveitar que a presidência dos Estados Unidos esteja nas mãos de um aliado como Donald Trump, para usá-lo como arma política em sua luta para retomar a presidência da República.

12. Diante desse contexto, nós, comunistas da LCB, estamos convictos de que o contexto atual da luta de classe, sem perder o objetivo estratégico do socialismo, envolve a luta em torno de um tripé: a questão nacional, a questão democrática e a questão social. Uma não será resolvida sem as outras, ainda que para cada um dos tripés possamos contar com aliados táticos diferentes.

13. Na questão democrática, em que está colocado o problema do fascismo, o raio de aliados é maior, abarcando segmentos das classes médias e da própria classe dominante. Na questão da soberania nacional, o arco de aliados deve ser outro, pois os mesmos segmentos que apoiam a luta antifascista podem estar em desacordo com a luta pela soberania. E na questão social, em que se desenvolve a luta de classe stricto sensu, por causa do consenso burguês de aumentar a exploração do povo, o arco de aliança será com as massas trabalhadoras e os segmentos médios atingidos pela política de interesse do rentismo e do capital financeiro, que agravam os instrumentos de exploração capitalista.

14. A questão democrática, de luta contra o fascismo, tem adquirido grande importância nos últimos tempos, pois essa força política atualmente se transformou numa cabeça de ponte do imperialismo dentro do nosso país. Portanto, a luta consequente contra o fascismo requer uma luta do mesmo modo consequente contra o imperialismo. Apoiado no fascismo e na extrema-direita brasileira o imperialismo, sob o governo Trump, interfere abertamente nos assuntos internos do Brasil, inclusive com ameaças militares, e que se apoia na extrema-direita bolsonarista. Nessa perspectiva, a luta em defesa da soberania nacional, combinada com o combate ao fascismo associado ao imperialismo, pode se transformar num elemento unificador das massas trabalhadoras. A luta contra o fascismo, para ser consequente, deve estar combinada à luta contra o imperialismo principalmente estadunidense, que assume formas fascistas cada vez mais abertas. E a solução do problema social, ou seja, da exploração capitalista, em um país subordinado como o Brasil na arena internacional, exige a solução do problema da soberania.

15. É a partir da compreensão desse tripé – questão social, questão democrática e questão nacional – que a crise brasileira será superada pela luta das massas trabalhadoras.

16. Diante da atual conjuntura, a Liga Comunista Brasileira – LCB entende que o combate ao fascismo demanda frentes mais amplas e mediação com outras forças políticas, superando o sectarismo e o exclusivismo. É necessário delimitar nossos aliados e operacionalizar alianças com outras organizações políticas ou frentes como a Povo Sem Medo.

17. Em termos estratégicos, é preciso retomar nossas resoluções quando afirmam a necessidade de formação do bloco proletário e popular anti-monopolista, anti-imperialista e anti-latifundiário. O que conforma o bloco é sua composição real, material, de classe, apoiada em instrumentos de organização e mobilização permanente. A expressão política do bloco em um ou mais partidos ou em uma frente política será consequência desse processo. O problema da formação do bloco com potencial de disputa do poder não se resolve com coligações eleitorais ou alianças políticas formais, é algo que também depende das condições subjetivas de consciência e organização da classe trabalhadora e do povo. Evidente que nossa atuação no sentido de incentivar essa construção, bem como suas consequentes alianças políticas, pode contribuir para esse processo. Não basta proclamar a necessidade do bloco histórico ou da frente política, é preciso efetivamente estabelecer as mediações que acumulem nesse sentido.

18. Aqueles setores vinculados ao bloco de poder dominante que numa conjuntura específica defendem posições relativamente antifascistas ou em defesa da soberania nacional, não podem ser confundidos com nossos aliados estratégicos. Os aliados estratégicos são os setores vinculados às forças proletárias e populares que tem interesses antagônicos ao bloco de poder dominante: os monopólios, o imperialismo e o latifúndio, ou, em outros termos, o capital financeiro (fusão do capital bancário e industrial), o imperialismo e o latifúndio. A amplitude das táticas conjunturais não deve impedir a construção do bloco proletário e popular, que deve forjar, concomitantemente, instrumentos próprios para a disputa estratégica do poder.

19. É preciso estudar a formação social brasileira em termos históricos, mas também em termos contemporâneos e concretos, entendendo a composição de classe do povo brasileiro em toda sua diversidade econômica, cultural, étnico-racial, de gênero, regional e de inserção geográfica, apontando caminhos concretos para a organização da classe trabalhadora, e projetando nossa atuação enquanto LCB nos espaços de trabalho, estudo ou moradia em que já estamos inseridos, e a possibilidade de inserção onde ainda não estamos presentes.

20. Para isso é necessário entender as transformações no mundo do trabalho com as novas tecnologias, e como isso impacta nas formas de luta e organização, a associação entre setores do bloco de poder dominante (por ex. o agronegócio e a Faria Lima), a realidade de assalariados agrícolas, camponeses, sem teto, “sem direitos”, a pejotização, a massa precarizada que atua nos serviços e na distribuição (setor terciário) e na informalidade. É necessário considerar também a possibilidade de métodos não convencionais de organização da classe trabalhadora, para além do sindicalismo formal.

21. Devemos seguir construindo a Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, disputando as bases sindicais onde atuamos, priorizando as lutas gerais da classe trabalhadora, como o fim da escala 6×1. No âmbito do serviço público, precisamos seguir combatendo a reforma administrativa, defendendo a estabilidade dos servidores públicos, enfatizando o impacto que os serviços públicos e as políticas sociais têm para o conjunto da classe trabalhadora.

22. Nos territórios e no campo, o horizonte estratégico que já aparece em nossas resoluções precisa se desdobrar em eixos de um programa tático que apresente medidas concretas quanto à questão urbana, o acesso à moradia, o acesso e a produção artístico-cultural, o problema da segurança pública, a questão socioambiental, a questão indígena e a reforma agrária. Diante dos dilemas hoje colocados acerca da posse ou da propriedade privada da terra, devemos defender a nacionalização da terra.

23. Dada a atual possibilidade de ascenso da luta de massas a partir dos atos do dia 21 de setembro, devemos acompanhar os desdobramentos políticos desse processo. Quanto às eleições de 2026, no momento, não aparece no horizonte uma alternativa de esquerda ao lulismo minimamente viável, afirmando a candidatura de Lula como a única capaz de derrotar o bolsonarismo nesta quadra histórica, mas devemos ficar atentos à conjuntura. De qualquer maneira, nossa atuação nas próximas eleições precisa delimitar a necessidade de acumular forças para um projeto socialista que se diferencie e supere os limites do lulismo.