ATÉ QUANDO LULA FICARÁ EM SILÊNCIO?
Artigo de Opinião por Renato Nucci Junior
A cada dia o governo Trump escala um pouco mais as ameaças à Venezuela. Primeiro deslocou uma frota naval para próximo da costa venezuelana. Depois, começou a bombardear pequenas lanchas acusadas de transportar drogas para os Estados Unidos. A seguir, ordenou o deslocamento de seu maior porta-aviões, o USS Gerald Ford, para o mar do Caribe. Agora, anuncia um ultimato para o presidente Nicolás Maduro deixar o poder.
As ameaças de Trump não se devem ao envio de drogas por cartéis venezuelanos aos Estados Unidos, comanda pelo presidente Maduro. Essa acusação foi desmentida pelo recente Relatório Mundial sobre Drogas da ONU, de 2025, divulgado em agosto. Quase 90% da cocaína produzida e traficada para os Estados Unidos é produzida por tem origem na Bolívia, Colômbia, México e Peru. E a rota utilizada não é o mar do Caribe, mas o Oceano Pacífico. No presente relatório, a Venezuela sequer foi mencionada.
A tática estadunidense é usar a falsa acusação de uma rede de tráfico de drogas operando a partir da Venezuela e comandada pelo presidente Nicolás Maduro, para intervir militarmente na Venezuela, operar uma mudança de regime e colocar no poder um governo dócil. A ameaça à Venezuela, sob a justificativa de combater uma rede de tráfico de drogas, ou de levar a democracia ao país, é uma nuvem de poeira.
O objetivo central é usar a ameaça militar, a guerra psicológica e a mentira mais descarada para colocar as mãos nas maiores reservas de petróleo do mundo. Hoje, estima-se em mais de 300 bilhões de barris as reservas de petróleo do país. Mas a Venezuela também possui as maiores reservas de areia betuminosa, um tipo de petróleo não convencional, estimada por alguns em mais de 1 trilhão de barris.
Essas ameaças à Venezuela não começaram hoje.
Para o projeto bolivariano, inaugurado com a vitória eleitoral do presidente Hugo Chávez, em 1998, essa fabulosa riqueza deve ser colocada à serviço do povo venezuelano. A renda petrolífera gerada foi, historicamente, apropriada por setores diminutos da sociedade venezuelana, associadas ao imperialismo estadunidense. Com a eleição de Chávez, o destino dessa riqueza deveria ser compartilhado com a massa trabalhadora, utilizando a renda petroleira na modernização do país e na superação de suas gritantes contradições sociais.
A Venezuela tornou-se, com Hugo Chávez, uma dor de cabeça para o imperialismo e para as classes dominante latino-americanas. Deixado correr sem interferências e sabotagens, o projeto bolivariano demonstraria aos povos de Nuestra América a possibilidade real de alterarmos a condição de dependência, subordinação e miséria do nosso continente. Esse é o motivo de o chavismo ser tão duramente criticado, sabotado e caluniado pelo imperialismo e pelas elites latino-americanas.
Em abril de 2002, Chávez sofre uma tentativa de golpe de Estado apoiada pelo então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. O golpe foi desbaratado em dois dias, após um fantástico levante popular apoiado na rebelião de setores militares. E desde 2014, já sob o governo Obama, a Venezuela enfrenta uma brutal guerra econômica, como seu bloqueio no sistema Swift. A medida impossibilitou a Venezuela de realizar transações internacionais. Além disso, seus fundos depositados no estrangeiro foram congelados ou confiscados. A Citgo, empresa subsidiária da PDVSA nos Estados Unidos, foi roubada pelo governo gringo em 2019. Sua administração foi confiada a Juan Guaidó, o presidente “autoproclamado” da Venezuela. Agora, a Citgo, cujo patrimônio é avaliado em 12 bilhões de dólares, foi vendida por 5,9 bilhões de dólares a empresa Elliott Investment Management. A Venezuela também viu confiscada suas reservas de ouro estimadas em 31 toneladas, depositadas no Banco da Inglaterra. As sanções fizeram a Venezuela perder 226 bilhões de dólares em receitas do petróleo.
Com uma dependência muito grande de importações, cerca de 85% do seu consumo interno, a Venezuela se viu privada de comprar alimentos e medicamentos. Essa política se manteve inalterada até mesmo no período da pandemia. O objetivo dos Estados Unidos, com tais medidas, seria produzir um caos econômico e uma deterioração tão profunda das condições de vida, que a população se rebelaria e derrubaria o governo. Tudo feito “sem violência” e a necessidade de empregar tropas.
Mesmo com toda a violência da guerra econômica e das sanções imperialistas, o projeto bolivariano se mantém em pé. Resta, ao imperialismo, aumentar o tom das calúnias e ameaçar o país com um ataque militar a pretexto de combater cartéis de drogas que, como demonstramos acima, não passa de uma disparatada mentira.
Diante desse cenário, com uma ameaça de guerra contra um país vizinho e irmão, é chocante o silêncio do presidente Lula. Até o momento não vimos de sua parte um posicionamento enfático contra o eminente ataque a Venezuela. No máximo, Lula manifestou “preocupação” com a frota militar estadunidense deslocada para o mar do Caribe. E fontes do governo revelaram que uma condenação veemente só ocorreria se a Venezuela sofrer um ataque. Mostrar-se preocupado é muito pouco para um conflito com potencial de criar o caos em toda a região. E deixar para fazê-lo só se a Venezuela for atacada é de uma conivência criminosa.
Talvez Lula não deseje, nesse momento, colocar em risco sua boa relação com o governo Trump. Merece destaque sua firmeza em não ceder às pressões do presidente dos Estados Unidos durante o tarifaço. Mas Lula, empolgado com o sucesso parcial das negociações, foi além. Se para a Venezuela resta o silêncio, para Donald Trump têm sobrado elogios e o reconhecimento de afinidades. O presidente disse estar de acordo com Trump na necessidade de combater as organizações criminosas internacionais. A afirmação de Lula é tremendamente inadequada. Ainda mais quando a principal justificativa dos Estados Unidos para atacar a Venezuela é a de Maduro pertencer a um grupo “narcoterrorista”.
Lula está completamente enganado se pensa, com esse silêncio conivente e elogios a Trump, angariar a simpatia da Casa Branca em futuras negociações que ponham fim completo ao tarifaço. Por tabela, Lula buscaria se resguardar de eventuais ataques desestabilizadores por parte do imperialismo, na eleição presidencial de 2026. No aspecto formal, esse raciocínio pode estar correto. Mas, no aspecto prático, ele não faz qualquer sentido e beira a ingenuidade. Sob o comando de Trump, os Estados Unidos adiam sua decadência com uma política altamente agressiva, inclusive com aliados históricos, baseada em tarifaços, ameaças de anexação territorial, caso da Groenlândia e do Panamá, e mudanças repentinas de posição. Portanto, nada assegura que Trump mude de opinião e volte a assediar o Brasil.
Para as oligarquias latino-americanas em todos os seus matizes ideológicos, incluindo a brasileira, livrar-se da experiência bolivariana na Venezuela é um alento. Aguardam ansiosas para que a pressão sobre o governo Maduro surta o efeito desejado e o leve à renúncia, ou provoque um golpe de Estado. A hipótese de um ataque estadunidense para derrocar o governo não é o cenário mais desejado, mas se mostram dispostas a apoiar essa solução, caso não haja alternativa e Trump assim o decida.
E vale tudo no esforço de impor uma derrota definitiva ao projeto bolivariano. Até mesmo colocar em campo grandes capitalistas como Joesley Batista, dono da JBS. Ainda não se sabe a mando de quem, mas segundo a imprensa Joesley teria ido a Caracas convencer Maduro a renunciar.
Tanta pressão sobre a Venezuela tem um motivo. Se o povo venezuelano derrotar as ameaças imperialistas e contornar os efeitos da guerra econômica como vem fazendo, abre-se o caminho para a construção de um projeto nacional e popular independente e soberano, com sensíveis melhorias nas condições de vida do povo. A força do exemplo bolivariano seria uma fonte indesejada de pressão sobre as oligarquias latino-americanas.
Por essas razões, podemos qualificar o silêncio de Lula como o silêncio dos cúmplices. E demonstra a enorme incompreensão do impacto devastador de um conflito no coração da floresta amazônica. Uma guerra do imperialismo contra um país com o qual temos 2.199 quilômetros de fronteiras secas, representa uma enorme ameaça ao próprio Brasil. Trata-se de uma fronteira permeável em uma região cobiçada pelas potências estrangeiras e pelo crime organizado, de olho em sua biodiversidade e riquezas minerais.
É nesse contexto que o governo Lula adota, em relação à Venezuela, o caminho de menor embate com o imperialismo. Primeiro, Lula não reconheceu a vitória de Maduro na eleição presidencial de 2024, reproduzindo a denúncia da extrema-direita venezuelana de fraude, o que tem se tornado comum nas eleições em nosso continente, quando o candidato preferido das oligarquias é derrotado nas urnas. Dois meses depois, em represália a Maduro por não ceder em sua sugestão de convocar novas eleições, o próprio Lula teria orientado o ministério das Relações Exteriores a vetar a entrada da Venezuela nos Brics.
Mesmo com todo o bom mocismo do governo, nada assegura que os Estados Unidos, na hipótese de conseguir derrubar o projeto bolivariano, dará essa ação militar por terminada. Ao definir o combate ao “narcoterrorismo” como uma meta do seu governo, Trump se sente à vontade para atacar e ocupar militarmente qualquer lugar da América Latina. E se Lula pensa que seu charme e encanto livrará ele e o Brasil de um destino similar ao da Venezuela, está muito enganado.
Renato Nucci Junior – Membro do Comitê Central da LCB
Publicado em 5 de dezembro de 2025