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A Questão Polonesa: A Instrumentalização da Crise e o Dilema da Reforma Socialista e A Guerra Fria: Um Permanente Estado de Guerra Mundial de Baixa Intensidade

Artigo de opinião por Celso Fernandes

Introdução: A Guerra Fria como Contexto de Baixa Intensidade

A análise da crise polonesa na década de 1980 não pode ser dissociada do contexto da Guerra Fria como um permanente estado de guerra mundial de baixa intensidade. Nesse cenário de contenção geopolítica, a soberania interna dos Estados satélites estava sempre sob tensão, exigindo que suas lideranças priorizassem a estabilidade do sistema para permitir correções internas.

1. O Imperativo da Reforma Existente:
O sistema socialista polonês, como qualquer estrutura política, necessitava de autorreforma e correção de erros passados. Contudo, a premissa fundamental é que a reforma só é possível naquilo que existe. Derrubar ou desestabilizar o sistema existente impede qualquer possibilidade de correção futura.

2. Solidariedade: Instrumento de Desestabilização Externa:
Neste contexto, o movimento Solidariedade, embora apresentasse bandeiras de independência sindical, funcionou como um instrumento de desestabilização nas mãos do imperialismo americano. A ação externa visava enfraquecer a União Soviética e seus aliados, explorando as fissuras internas. A defesa da soberania polonesa, sob essa ótica, exigia a defesa do Estado Polonês contra essa interferência externa.

3. As Interpretações da Esquerda:
As correntes de esquerda que apoiaram a Solidariedade demonstraram um profundo deslocamento da conjuntura da época:
Alinhamento com o Bloco Imperialista: Algumas correntes, alinhadas à social-democracia integrada ao sistema ocidental, viam no colapso do bloco oriental um avanço.
Ingenuidade ou Má-fé Trotskista: Outras, como os trotskistas, acreditaram ingenuamente em uma “independência operária” ou agiram por um ódio preconceituoso à URSS. Ao apoiar a Solidariedade, elas não reconheceram que estavam, na prática, servindo aos interesses do inimigo de guerra ao desestabilizar um aliado soviético.
O Dever do Progressista: Para um marxista-leninista comprometido com a defesa do socialismo nos anos 80, o compromisso era defender o governo polonês para que a reforma pudesse ocorrer, e não apoiar forças que levavam à sua queda e, consequentemente, à impossibilidade de reforma.

Conclusão:
A queda do regime polonês, instrumentalizada por forças externas e apoiada por setores da esquerda que não compreenderam a dinâmica da guerra de baixa intensidade, resultou na destruição da própria estrutura que poderia ter se reformado, confirmando que a prioridade política deveria ter sido a preservação da existência para garantir a possibilidade de evolução.

A análise da Guerra Fria exige que a entendamos não como um período de paz entre conflitos, mas como um permanente estado de guerra mundial de baixa intensidade, onde a confrontação se deu em esferas ideológicas, políticas e econômicas, sem o confronto militar direto entre as superpotências.

1. Ilegitimidade da Dissolução Estatal:
Nenhum líder ou governo possui legitimidade intrínseca para dissolver o próprio Estado que administra; se isso ocorre, é um sintoma de que um evento externo de tensão pressionou as estruturas internas ao ponto de ruptura.

2. Zonas de Influência vs. Colonialismo:
É crucial distinguir a lógica de contenção geopolítica da exploração econômica direta. A criação de Zonas de Influência pela União Soviética, onde países socialistas eram tratados como Estados Satélites, difere do Colonialismo. Exemplos históricos de contenção geopolítica, como a Doutrina Monroe (que estabeleceu a influência dos EUA sobre as Américas) ou a disputa entre o Império Russo e o Império Britânico na Ásia Central (O Grande Jogo), ilustram essa lógica de delimitação estratégica de esferas de poder, distinta da exploração econômica direta.

3. O Efeito Paradoxal da Lógica de Guerra:
A imposição dessa lógica de contenção, embora taticamente defensiva contra o Ocidente, foi contraproducente internamente. Ao tratar os países vizinhos como meros apêndices de segurança, a URSS minou a credibilidade dos movimentos progressistas e revolucionários locais (como os vistos na Polônia e Tchecoslováquia). A população, sentindo-se dominada por uma potência externa, passou a dar crédito aos movimentos reacionários que prometiam soberania e autonomia. A política de guerra fria, ao defender externamente, enfraqueceu a legitimidade ideológica interna do bloco socialista.

Conclusão e Hegemonia Narrativa:
Toda a narrativa histórica sobre o período da Guerra Fria é, em grande medida, hegemonizada pelos vencedores. Nos ex-países satélites, essa narrativa triunfante é potencializada pelo sucesso dos movimentos reacionários (que ganharam credibilidade justamente com a política soviética), reforçando a visão de que a desintegração foi uma vitória externa e não um colapso interno.

Celso Fernandes – Militante da LCB

Publicado em 2511/2025