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A TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E A REVOLUÇÃO.

Artigo de opinião por Otávio Costa

O Marxismo-Leninismo sempre tratou a luta revolucionária como uma síntese entre teoria e prática, destacando que as forças produtivas e as condições objetivas da sociedade devem ser analisadas para orientar a ação política. No início do século XX, quando Lênin e os bolcheviques conduziram a Revolução Russa, uma das principais tecnologias de comunicação e organização disponíveis era a imprensa. O jornal não era apenas um meio de difusão de ideias: era concebido como uma ferramenta de organização, uma espécie de pilar que sustentava e articulava os militantes em torno de uma linha política clara e de uma disciplina revolucionária, além de atrair as massas para se unirem em torno da política da organização. Sem o domínio da tipografia, da impressão e da distribuição, não seria possível formar a consciência de classe em escala nacional, ligar operários de diferentes fábricas e regiões, atrair os camponeses pobres para direção do operariado e construir a coesão e unidade do partido revolucionário. Assim colocava Lenin as necessidades do movimento revolucionário na época em que esse ainda se encontrava sem um jornal que pudesse resolver esses problemas:

“Em nosso parecer, o ponto de partida da nossa atividade, o primeiro passo prático para criar a organização que desejamos, o fio condutor, enfim, seguindo o qual poderemos incessantemente desenvolver, enraizar e alargar essa organização, deve ser a fundação de um jornal político para toda a Rússia. Aqui precisamos antes de tudo de um jornal; sem um jornal é impossível coordenar sistematicamente a propaganda e a agitação multiformes e consequentes que constituem a tarefa permanente e principal da social-democracia em geral, e a tarefa particularmente urgente do momento atual, no qual o interesse pela política, pela questão do socialismo, está acordando na mais larga parte da população. E nunca foi sentida com tanta força como hoje a exigência de se completar a agitação dispersa, feita através da ação pessoal, dos jornalecos locais, opúsculos etc. Completar com a agitação generalizada e regular que se pode desenvolver somente por meio da imprensa periódica. Não creio que seja exagerado afirmar que a maior ou menor frequência e regularidade da saída (e difusão) do jornal poderá ser o índice mais exato da solidez dos êxitos obtidos na organização desse setor, que é o mais elementar e mais importante de nossa atividade militar. Diga-se, aquilo de que aqui precisamos é um jornal para toda a Rússia. Se não sabemos e em quanto não soubermos unificar a nossa influência sobre o povo e o governo mediante a palavra impressa, será utopia pensar poder unificar outros meios de influência mais complexos, mais difíceis e a curto prazo mais decisivos. O nosso movimento, seja do ponto de vista ideológico ou do prático, organizativo, sofre sempre muito por causa de seu fracionamento, dado que a imensa maioria dos social-democratas está quase completamente absorvida pelo trabalho puramente local, que restringe seu horizonte e a amplitude de sua atividade, de sua experiência clandestina e a sua preparação. Exatamente desse fracionamento se deve cortar as raízes mais profundas, daquela instabilidade e daquela fraqueza da qual tratamos acima. E o primeiro passo adiante para livrarmo-nos desse defeito, para transformarmos diversos movimentos locais em um único movimento nacional russo deve ser a organização de um jornal para toda a Rússia.

Enfim, aqui necessitamos absolutamente de um jornal político. Na Europa moderna sem um órgão de imprensa política é inconcebível um movimento que mereça ser chamado político. Sem um órgão de imprensa política é absolutamente impossível cumprir nosso dever de concentrar todos os elementos de descontentamento de protesto político, de fecundar com estes o movimento revolucionário do proletariado. Demos o primeiro passo, despertamos na classe operária a paixão pelas denúncias “econômicas”, de fábrica. Devemos completar o passo seguinte: despertar em todos os estratos do povo mais ou menos consciente a paixão pela denúncia política. Se as vozes que se levantam para desmascarar o regime são hoje tão débeis, raras e tímidas, não devíamos ficar impressionados. Isso não se deve à resignação geral ao arbítrio policial. É devido ao fato que os homens capazes de fazer as denúncias, e prontos a fazê-las, não têm uma tribuna da qual possam falar, não têm um público que escute e aprove apaixonadamente os oradores; ao fato destes não verem de nenhuma parte no povo uma força à qual valha a pena dirigirem-se para protestarem contra o “onipotente” governo russo.” – V.I. Lenin, “Por onde começar”, Maio de 1901 (1)

“Em primeiro lugar, é necessário desenvolver uma literatura partidária comum – comum, não apenas no sentido de que deve servir a todo o movimento russo e não a distritos separados, que deve discutir as questões do movimento como um todo e ajudar os proletários com consciência de classe em sua luta, em vez de lidar apenas com questões locais, mas também comum no sentido de que deve unir todas as forças literárias disponíveis, que deve exprimir todas as opiniões e pontos de vista que prevalecem entre os social-democratas russos, não como trabalhadores isolados, mas como camaradas unidos nas fileiras de uma única organização por um programa comum e uma luta comum. Em segundo lugar, devemos trabalhar para conseguir uma organização especialmente com o propósito de estabelecer e manter contato entre todos os centros do movimento, fornecer informações completas e oportunas sobre o movimento e entregar nossos jornais e periódicos regularmente a todas as partes da Rússia. Somente quando for fundada tal organização, somente quanto uma correspondência socialista russa for estabelecida, em segundo lugar, devemos trabalhar para conseguir uma organização especialmente com o propósito de estabelecer e manter contato entre todos os centros do movimento, fornecer informações completas e oportunas sobre o movimento e entregar nossos jornais e periódicos regularmente a todas as partes da Rússia. Somente quando tal organização foi fundada, o Partido terá uma base sólida, só então se tornará um fato real e, portanto, uma poderosa força política. Pretendemos dedicar nossos esforços à primeira metade desta tarefa, ou seja, à criação de uma literatura comum, pois consideramos esta como a demanda premente do movimento hoje e uma medida preliminar necessária para a retomada da atividade do Partido.” – V.I.Lenin, em Esboço de uma Declaração do Conselho Editorial do Iskra e da Zarya, Março de 1900 (2)

Hoje, no Brasil do século XXI, as necessidades de nossa revolução são uma evidente analogia, não possuímos ainda nem mesmo um só “jornal” com vigor que possa construir consciência de classe entre as massas, logo é essencial cumprirmos também com as tarefas de replicação e divulgação de nossa linha política e fortalece-la enquanto linha organizativa de todo o movimento. Mas o terreno material mudou. A tecnologia da informação: as redes sociais, algoritmos, bancos de dados, inteligência artificial, plataformas de comunicação digital, desempenham o mesmo papel estrutural que a tipografia e a imprensa em papel tiveram para os bolcheviques. A questão da construção e divulgação da linha que guiará e fortalecerá nossa luta se deslocou fortemente para o plano informacional: quem domina a informação, seus fluxos e seus meios de circulação detém uma vantagem decisiva na disputa pela hegemonia. O lugar da mídia física nos corações e mentes de milhões de trabalhadores perdeu espaço para mídias e literatura digitais: ’podcasts’, audiolivros, sites de jornais e outras variadas formas que hoje temos a obrigação de dominar.

Os capitalistas, através das grandes corporações digitais, compreendem perfeitamente isso. Meta (Facebook, Instagram, Whatsapp), Google, Amazon, Microsoft, X (antigo Twitter) e outras multinacionais não são meras empresas: são aparelhos de controle ideológico e material, que organizam a vida social, moldam a opinião pública e até influenciam diretamente a forma como trabalhadores percebem a realidade, além de servir para auxílio com suas ferramentas para aumentar diretamente a exploração e o martírio de trabalhadores pelo mundo. Lembremos do projeto Nimbus, a ajuda de ferramentas mais avançadas de IA por parte do Google e da Amazon para Israel continuar seu massacre de palestinos(3). Dominar a tecnologia da informação significa, portanto, não apenas ser capaz de comunicar-se com as massas, mas também de resistir ao bloqueio, à censura e à manipulação operada por essas plataformas e, ainda além disso, encontrar meios para contra-atacar diretamente o uso da tecnologia como arma contra o povo.

Da mesma forma que os bolcheviques compreendiam que sem jornal físico não havia organização, hoje podemos dizer: sem domínio da tecnologia da informação não há revolução possível. Isso inclui desde aspectos técnicos: aprender linguagens de programação, criptografia, cibersegurança, análise de dados, até aspectos políticos, como a construção de plataformas próprias de comunicação, a criação de redes alternativas e a formação de quadros militantes que dominem o campo digital. A informação, no capitalismo contemporâneo, é uma mercadoria, um mecanismo de controle e também uma ferramenta para aumentar a espoliação do povo,  mas para os revolucionários deve ser uma arma contra a própria burguesia. Deve ser compreendido também que hoje tamanha é a importância da tecnologia da informação que, segundo a Forbes(4), todos os 10 parasitas bilionários burgueses mais ricos do mundo todo estão envolvidos diretamente com a mesma. Não será possível vencê-los sem efetivamente disputar a hegemonia diante das novas tecnologias.

Necessário destacar que, assim como os jornais bolcheviques não eram apenas propaganda, mas instrumentos de formação política e de ligação orgânica entre os militantes, as ferramentas de tecnologia da informação devem ser vistas como organização material da luta. Um servidor seguro, um sistema de comunicação criptografado, um banco de dados de trabalhadores em luta, um site que consiga furar o bloqueio midiático, o uso de inteligência artificial para aperfeiçoar e automatizar nosso domínio sobre as informações, um novo canal de vídeos que consiga fazer nossa mensagem reverberar por todo o Brasil, tudo isso cumpre hoje a função de ligar teoria e prática, de articular a vanguarda com as massas. A luta ideológica não pode ser separada da luta tecnológica.

O Brasil, em particular, apresenta um desafio imenso: a penetração massiva das redes sociais entre o povo, o monopólio dos meios de comunicação pela burguesia e a dependência tecnológica em relação ao imperialismo. Se a classe trabalhadora não desenvolver autonomia no uso e criação de ferramentas de tecnologia da informação, ficará permanentemente refém do controle da reação. Em outras palavras, a questão tecnológica hoje é também uma questão de soberania popular e de independência revolucionária.

Também temos que lidar com pretensos “youtubers” e outros tipos de “influencers” divulgando todo tipo de falcatruas e ilusões políticas que causam danos imensos à unidade e organização de nossos trabalhadores. Toda essa problemática também envolve a criação de vorazes ferramentas informacionais que destruam a influência desses charlatões entre as massas. A obtenção do partido de vanguarda forte, reconhecido pelas massas e composto pelos seus setores mais avançados passa por dominar a informação. 

Se o jornal Iskra, de Lênin, era “a centelha” que acendia a chama da consciência de classe, hoje a revolução brasileira precisa de suas próprias Iskras digitais. São necessários projetos coletivos que unam militância política e domínio técnico, capazes de fazer frente ao poder informacional da burguesia. Isso exige disciplina, organização, estudo e prática, exatamente como reivindica o marxismo-leninismo.

Assim como os bolcheviques só puderam conquistar o poder porque souberam usar a tecnologia mais avançada de comunicação de sua época, a imprensa física escrita, como instrumento de luta, os revolucionários brasileiros do século XXI só poderão avançar se dominarem o terreno da tecnologia da informação. O jornal de ontem é a rede digital de hoje. Quem não dominar esses meios ficará à margem da história.

Otavio Costa – Programador e Bacharelando em Sistemas de Informação pelo CEFET – RJ (Campus Nova Friburgo)

FONTES:

  1. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1901/05/onde.htm
  2. https://www.marxists.org/portugues/lenin/1900/mes/40.htm
  3. https://www.intercept.com.br/2024/04/19/israel-usa-tecnologia-google-contra-palestinos/ 
  4. https://forbes.com.br/escolhas-do-editor/2025/08/os-10-bilionarios-mais-ricos-do-mundo-em-agosto/