A Vida e o Legado de Friedrich Engels
A vida e a obra de Friedrich Engels não são meros apêndices de sua colaboração com Marx, são mais do que isso, trata-se das contribuições de um teórico original, estrategista militar e líder da luta revolucionária dos operários de todo o mundo. A sua relevância e suas principais bandeiras podem ser definidas nas seguintes áreas fundamentais:
1. Os Primeiros Anos e a Crítica Social
Friedrich Engels nasceu em Barmen, em 28 de novembro de 1820, filho de uma família da industrial têxtil. Além da indústria têxtil, seu registro de batismo confirma também atividades comerciais na região (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 2, p. 580). Desde cedo, Engels esbanjava aportes intelectuais e caráter, segundo o seu certificado de conclusão escolar, era muito elogiado por “sua modéstia, franqueza e “louvável esforço” para adquirir uma educação científica abrangente” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 2, p. 584).
A vivência adquirida na experiência prática em Manchester, local onde sua família o enviou para fins profissionais, foi fundamental. Em Manchester, ele atestou de cara a miserabilidade do trabalhador industrial, esta observação o levou a redigir a obra seminal “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, nela, Engels defendeu a tese de que a situação operária era a “base real e o ponto de partida de todos os movimentos sociais do presente” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 4, p. 302). Ele demonstrou em que medida a Revolução Industrial transformou a sociedade civil, gerando a classe trabalhadora moderna (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 4, p. 320).
2. A Parceria Revolucionária com Marx e as lutas de 1848-1852
A união com Karl Marx o remeteu a redigir o Manifesto do Partido Comunista em 1848, ambos estabeleceram a luta de classes como o motor da história, afirmando que “a história de toda a sociedade até aos nossos dias é a história da luta de classes” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 6, p. 482). Durante as revoluções de 1848-1849, Engels não se limitou a atividade teórica, mas foi um participante ativo, incluindo nas questões militares. Em sua avaliação da campanha pela Constituição Imperial Alemã, ele detalhou as insurreições na Prússia, Renana e em Baden (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 10, p. 149).
Engels, com profundidade, avaliou as guerras camponesas históricas de sua época, atestando nelas alavancas para as lutas modernas. Na sua obra “A Guerra Camponesa na Alemanha”, Engels traçou paralelos entre as lutas de 1525 e as revoluções de 1848 (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 10, p. 399). Ele comparou os fluxos daquelas lutas com as acensões camponesas de sua época.
3. O “General”: Estudos Militares e Geopolítica
Engels detinha consigo um profundo conhecimento em teoria militar, o que lhe valeu o apelido de “General”. Ele escreveu exaustivamente sobre as guerras de sua época, como a Guerra da Crimeia, analisando a composição e as táticas dos exércitos russos e aliados (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 14, p. 201). Seus contributos para a New American Cyclopaedia provaram ser uma fonte de conhecimento técnico bem minucioso, por exemplo, no texto “Sobre os Exércitos”, no qual ele revela a história da organização militar desde o Egito antigo (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 18, p. 85). Além disso, Engels também descreveu a importância do desenvolvimento das forças produtivas no plano militar, de novas tecnologias, como o rifle, e seu impacto tático (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 18, p. 488).
Além do conhecimento técnico, Engels detinha imenso acumulo geopolítico, aplicando-o em obras como “Po e Reno”, onde demonstrou a fragilidade da teoria de que o rio Pó era a fronteira natural da Alemanha, sustentando comprovadamente uma avaliação militar ancorada em condições políticas reais (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 16, p. 213). Em Saboia, Nice e o Reno, ele manteve essa análise estratégica acerca das fronteiras e a hegemonia francesa (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 16, p. 571).
4. A Defesa Teórica: Anti-Dühring e a Dialética
A maior ou uma das maiores demonstrações de força do pensamento de Engels foi a questão da criação e sistematização do marxismo, como uma fase nova do socialismo agora científico. A sistematização do marxismo ocorre em Anti-Dühring. No prefácio, Engels demonstra que a obra foi uma resposta importante e necessária para impedir que sectarismos confundissem o partido socialista alemão (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 5). Ele trucidou a visão metafísica de mundo, golpeando-a com a dialética, afirmando que “a natureza é a prova da dialética” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 23). A obra tinha amplitude, abarcandoo:filosofia, economia política e socialismo, definindo o socialismo, já científico e moderno, como o resultado da identificaçãoo da luta de classes, e demais antagonismos, na sociedade (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 254).
Paralelamente, ele contribuiu com a concepção da Dialética da Natureza, onde trabalhou para provar que as leis da dialética se aplicam ao mundo natural (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 313). Nesta obra, infelizmente longe de ser acabada, ele discute as formas e leis do movimento e da matéria, combatendo as limitações do materialismo mecanicista (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 522). Talvez o mais famoso texto deste trabalho seja “O Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem”, onde Engels demonstra que o trabalho humano, o choque entre o sujeito capaz de conhecer e o mundo objetivo, criou e recriou o próprio homem constantemente (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 25, p. 452).
5. Antropologia e Sociologia
Após a morte de Marx, Engels publicou talvez sua principal obra, e uma continuação digna de diversos estudos que fazia com Marx, “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”. No prefácio à primeira edição, ele afirma que o livro seria a “execução de um testamento de Marx, utilizando as anotações deste sobre Lewis H. Morgan” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 26, p. 131). Continuando o trabalho que começara com Marx, Engels avaliou o desenvolvimento histórico e evolutivo da família, provando que o fim do matriarcado, ou a queda do direito materno foi “a derrota histórica mundial do sexo feminino” (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 26, p. 165). Ele também teorizou sobre como essa derrota se liga a criação do Estado, da propriedade privada, da desigualdade de classes, definindo-o não como um poder imposto de fora, mas como um produto da sociedade em determinado estágio de desenvolvimento para frear antagonismos de classe (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 26, p. 269).
Em seu texto “Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã”, Engels refaz as raízes filosóficas do marxismo, explicando o necessário rompimento com Hegel e, por fim, a importância do materialismo (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 26, p. 359). Ele rechaçou a visão religiosa de Feuerbach, provando que sua ética era impotente diante da realidade social (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 26, p. 376).
6. Questões Políticas e Polêmicas
Engels nunca se afastou da polêmica política. Em “A Questão da Habitação”, ele atacou as soluções proudhonistas para a crise de moradia, argumentando que ela não era um acidente, mas uma instituição necessária da ordem burguesa (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 23, p. 317). Em Sobre a Autoridade, ele criticou os anarquistas, demonstrando que a revolução é o ato mais autoritário que existe (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 23, p. 425). Ele também documentou a falência das táticas anarquistas na revolta espanhola em Os Bakuninistas em Ação (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 23, p. 581).
Na série “Literatura de Refugiados”, Engels cercou polêmicas contemporâneas e a política externa, incluindo críticas ao regime czarista russo (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 24, p. 12). Ele também escreveu sobre o futuro da Rússia e da comuna rural em obras que analisavam as relações sociais naquele país (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 24, p. 39), demonstrando que ele e Marx conseguiram prever uma série de acontecimentos futuros daquele país. Em um tom quase profético, analisou a política externa do czarismo russo e suas implicações para a Europa (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 27, p. 14).
7. O Editor de “O Capital” e o Líder do Movimento
Após o triste falecimento de Marx, Engels empregou trabalho em lançar à edição dos volumes restantes de O Capital. No prefácio ao Volume II, ele descreveu a hercúlea tarefa de organizar os manuscritos deixados por Marx (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 36, p. 6). No prefácio ao Volume III, ele demonstrou mais ainda os problemas técnicos e teóricos para apresentar a obra final de Marx ao mundo (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 37, p. 7). Ele via essa publicação como uma vitória científica decisiva para o partido e para o proletariado mundial (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 37, p. 11).
Além do trabalho editorial, Engels atuou como conselheiro do movimento operário internacional. Em sua correspondência, ele discutia táticas e estratégias, como na carta a Bebel sobre a unificação do partido alemão (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 24, p. 67). Ele escreveu introduções importantes para reedições de obras de Marx, como a introdução a As Lutas de Classes na França, onde analisou as novas condições de luta e o uso do sufrágio universal (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 27, p. 506).
Em seus últimos anos, Engels manteve uma vasta correspondência. Ele escreveu a Lavrov sobre a publicação de manuscritos inéditos de Marx, explicando a complexidade da tarefa (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 47, p. 3). Ele aconselhou Kautsky sobre questões teóricas e editoriais (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 48, p. 231). Em carta a Paul Lafargue, ele discutiu a situação política na França e a estratégia socialista (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 50, p. 419).
Finalmente, preocupado com o futuro de seu legado e o de Marx, Engels redigiu seu testamento, deixando instruções precisas sobre seus manuscritos e bens para garantir a continuidade da causa socialista (Marx, Karl e Engels, Frederick, Collected Works, 2010, Lawrence & Wishart, London, Vol. 50, p. 537).
Liga Comunista Brasileira
09 de dezembro de 2025