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DE QUAL LADO FICARÃO AS FORÇAS ARMADAS?

Artigo de opinião por Igor Grabois e Klaus Scarmeloto

Há um divórcio entre as Forças Armadas e a Nação, como se os militares fossem uma camada acima e à parte do conjunto do país. Os altos comandos das três forças agem como se fossem um poder moderador, e essa pretensão agora ameaça a soberania e a unidade nacional.

A conspiração militar escolheu Bolsonaro como candidato nas eleições de 2018. Engoliram sua indisciplina e as ofensas ao ex-capitão contra os generais dos anos 1980 e 1990, e, desde então, assumem uma linha política antidemocrática, anti-nacional e anti-popular. Não escondem seu compromisso com a ordem neoliberal. Generais e almirantes que presidiram a privatização da Eletrobras e dos ativos da Petrobras, beneficiando Paulo Guedes e sua gangue, tornam-se protagonistas dessa trama.

Com um Democrata ocupando a Casa Branca, parte do alto comando não ousou apoiar o golpe para eternizar o ex-capitão no poder. Outro setor, no entanto, não teve os mesmos pruridos, como evidenciam os generais e coronéis, vários ainda no serviço ativo, envolvidos nos processos de 8 de janeiro. Agora, com o tarifaço de Trump, porta-vozes dos generais não escondem seu apoio ao homem-laranja e ameaçam o governo por não se curvar a Trump.

A subserviência dos militares aos EUA se aprofundou após a Lava Jato e o impeachment de Dilma, ao ponto de um general brasileiro assumir um cargo no Comando Sul do Departamento de Defesa estadunidense. Vale destacar que esse cargo continua ocupado e o primeiro ocupante acaba de receber sua quarta estrela.

No governo Bolsonaro, essa subordinação estratégica assumiu contornos caricaturais. Em visita à sede do Comando Sul, em Miami, o ministro da Defesa, general Fernando, assinou um tratado que entrega a indústria bélica brasileira ao Pentágono. O ministro estava acompanhado de Bolsonaro, em uma situação estranha: um chefe de estado assistindo à assinatura de um tratado em instalação militar estrangeira, firmado pelo então ministro da Defesa e pelo Comandante Sul do Pentágono.

Ainda no governo Bolsonaro, o Brasil foi “promovido” a aliado extra-OTAN, como se o país sofresse um deslocamento geográfico oceânico, saindo do Atlântico Sul para o Atlântico Norte. Desde então, oficiais brasileiros têm participado de diversos exercícios da Aliança Atlântica, incluindo um exercício naval no Mar Negro, às vésperas da guerra na Ucrânia.

As Forças Armadas brasileiras possuem uma política educacional própria, com seu sistema de colégios militares. Também têm seu próprio plano de saúde e rede de hospitais, desligados do SUS, além de uma política de compras de armamentos que volta as costas para o sistema nacional de ciência e tecnologia. Sua política externa é contrária à política externa brasileira, negando a integração Sul-Sul e priorizando as forças da OTAN, especialmente os EUA, de quem copiam a doutrina e se abastecem de material bélico. Temem desagradar a Israel, que hoje controla boa parte do fornecimento de armas e da indústria bélica brasileira.

Agora, com o tarifaço de Trump, surge a hora da verdade para generais, almirantes e brigadeiros. De que lado estão? Pelas demonstrações oficiais, nunca desmentidas, parecem assumir o lado americano da contenda. Pelo que nos anuncia Nelson During, editor-chefe de Defesanet, defenderão Trump, em um exercício tosco de mistificação. O dono da revista, informalmente ligada aos generais que ocupam os quartéis da rua da Praia, em Porto Alegre, ameaça, inclusive, com a ruptura da integridade territorial do país.

Os seguintes artigos do Defesanet, entre 19 e 31 de julho, revelam a postura dos altos oficiais das três forças, colocando o Brasil em uma posição de fragilidade estratégica:

https://www.defesanet.com.br/geopolitica/the-day-after-a-diplomacia-ausente-e-o-custo-da-arrogancia/

https://www.defesanet.com.br/geopolitica/agenda-trump/urgente-notas-estrategicas-o-inimigo-interno-e-o-externo/

https://www.defesanet.com.br/geopolitica/agenda-trump/brasil-quer-interromper-contratos-com-o-pentagono/

Os autores, iclusive um anônimo chamado Fiel Observador, expõem a contestação da política externa do governo por parte dos militares. O alinhamento com os EUA, com a consequente subordinação estrategica e dependência tecnológica, são um devir. E se esse destino manifesto invertido for rompido, o fogo do inferno será pouco, com golpe militar e secessão de estados da federação para começar.

E voltam, na mesma revista, as ameaças, agora de intervenção militar direta, ecoando a teoria da esquerda narcotraficante e leniente com o crime. Nesse, o autor implora pela cavalaria salvadora de Trump.

“Estamos diante de um divisor de águas histórico. A era em que o narcotráfico era combatido com operações policiais pontuais e investigações fragmentadas acabou […]”

“Essa evolução vem na esteira da decisão de janeiro de 2025, quando Trump já havia aberto caminho para classificar os maiores cartéis do continente — como Sinaloa, Jalisco Nueva Generación, Golfo, Cartel del Noreste e até redes emergentes como Tren de Aragua — como FTOs e SDGTs (Specially Designated Global Terrorists). O passo de agora é qualitativamente diferente, pois autoriza uso de força. […]”

“A LCP, em zonas rurais, adota métodos de guerrilha armada, com queima de fazendas, expulsão de famílias e emboscadas contra forças policiais.”

Fonte: https://www.defesanet.com.br/geopolitica/agenda-trump/do-narcotrafico-ao-terrorismo-a-omissao-brasileira-diante-da-nova-estrategia-dos-eua/

O texto de Felipe Gonzales Saraiva da Rocha, com sua análise ostensiva do recente movimento de intervenção militar americana na América Latina, surge não como um simples alerta sobre o narcotráfico, mas como um eco distante de uma história que, por mais que se apague em alguns detalhes, persiste em suas sombras. A leitura que ele nos oferece, rica em informações e recheada de um fervor quase técnico, omite, no entanto, o papel de nossa nação neste jogo de forças, onde a soberania brasileira se vê cada vez mais diluída em um cenário geopolítico global que ora se torna nebuloso, ora se revela com uma clareza alarmante. O autor será um personagem real, ou um alter-ego do diretor-dono do site?

A questão do narcotráfico, um mal que se espraia como uma sombra pesada em qualquer país, deveria ser enfrentada com uma resoluta clareza, não um bode expiatório para leiloar a soberania. No entanto, o autor, ao ressaltar a resposta militar dos Estados Unidos, deixa de perceber um ponto de extrema importância: a resposta do Brasil, que, ao invés de se afirmar como um baluarte de sua própria autonomia, dece se prostrar submisso a uma troca desoladora. Troca de sua soberania por uma falsa promessa de segurança externa, uma segurança que se revela como ilusão.

A narrativa da soberania nacional, que deveria ser orgulho e sustentação do espírito pátrio, agora se vê corroída, não pela invasão de forças estrangeiras em território nacional, mas pela rendição proposta pela quinta-coluna e seus porta-vozes. Para esses, o Brasil deve se oferecer, de forma silenciosa e quase resignada, à tutela de um poder estrangeiro.

Há algum tempo atrás, as invectivas dos autores do Defesanet seriam tomadas por delírio de conspiracionistas reclusos em quartéis. Porém, os espasmos dos colaboradores do Defesanet ecoam ameaças reais. A disjuntiva entre a soberania nacional e as corporações castrenses se mostra na manutenção de uma colaboração militar estreita, um colaboracionismo já,  em que generais, almirantes e brigadeiros entregam ao inimigo, agora declarado como tal, as possibilidades da defesa nacional efetiva.

Igor Grabois e Klaus Scarmeloto – Membros do Comitê Central da Liga Comunista Brasileira – LCB