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MATERIALISMO HISTÓRICO-DIALÉTICO: TEORIA E PRÁTICA.

Artigo de opinião por Yuri Faria

O materialismo histórico-dialético, que de agora em diante chamarei de MHD, é a base da teoria marxista, e é o que permitiu a Marx e Engels confirmarem que a força motriz da sociedade, pelo menos a partir de um certo ponto, é a luta de classes. Porém, é um método que não se resume apenas a essa conclusão, o MHD pode ser dividido em três partes, todas igualmente importantes, que se encontram no próprio nome do método. Discorrerei sobre a seguir.

Materialismo: Materialismo é a ideia de que devemos analisar o mundo a partir da realidade observável e perceptível. Foi criado para contrapor o idealismo, que é a ideia de que a matéria está sujeita a ideia, enquanto o materialismo é dialeticamente o oposto disso, é a continuação. Por que digo isso? O materialismo utiliza da realidade para analisar o mundo e sua situação, através dessa análise da realidade e da história podemos observar que as ideias das pessoas estão sujeitas ao seu ambiente, ou seja, a condição material, a realidade da pessoa molda suas ideias.

Na natureza as plantas são um exemplo primordial disso, elas necessitam das condições materiais, solo, nutrientes, sol e água, como via de regra geral, e para que possa existir uma espécie de planta específica em um lugar, essas condições materiais devem existir. Caso haja uma mudança nessas condições, a população e saúde dessa planta podem se alterar, e com o passar do tempo, gerações e mutações, podem surgir descendentes mais adaptados às condições materiais locais.

Isso se aplica de forma diferente na sociedade humana. Para o ser humano, além da materialidade explicar suas ideias, ele é também influenciado por essas ideias quando elas são acompanhadas por ações e pelo trabalho, normalmente organizadas por grupos específicos. Essas mudanças, normalmente provocadas por uma contradição ou outra, por uma necessidade ou outra, fazem com que os seres humanos utilizem de suas ideias para tentar moldar o mundo ao redor, fazendo assim a maior diferença entre o materialismo e idealismo, sendo que a ideia por si só não é o bastante para modificar o mundo, não é ela que dita as regras do jogo, mas, o contrário, a ideia sem ação/trabalho não modifica nada além talvez da própria consciência, e tende a ser um reflexo das condições materiais daquela pessoa, tanto de condições estruturais (modo de produção, qualidade de vida, necessidade, etc.) quanto superestruturais (cultura, religião, educação, etc.), e se diferencia ainda do materialismo na natureza por conta das diferenças de como o ser humano se porta em sociedade e justamente dessa habilidade de através do trabalho mudar as condições materiais de forma proposital.

Na prática podemos exemplificar o simples fato de que no capitalismo uma pessoa que nasça em uma condição de pobreza terá muita dificuldade para sair dessa mesma condição, enquanto uma pessoa da classe média terá menos dificuldade e um burguês (extremamente rico que controla meios de produção como fábricas, latifúndios, e hoje o mercado financeiro) não terá dificuldade nenhuma, ou, por exemplo, como alguém que estuda em escola particular passa no vestibular mais fácil, ou ainda como alguém com conhecidos dentro da empresa consegue recomendar amigos e parentes e esses tem vantagem, e ainda mais se for parente do chefe então não há dúvida da empregabilidade da pessoa, mesmo com um curriculum infinitamente menos robusto que outra candidata., as condições materiais e sociais fazem parte disso, afetam diretamente o que é possível de verdade para uma pessoa, um último exemplo: todos são livres para ir viajar pra Europa de férias, menos aqueles que não tem dinheiro, tempo, energia, ou seja, menos quem não tem condições materiais, então na realidade essas pessoas não são livres para fazer essa viagem.

Histórico: Autoexplicativo, é analisar a história, ou histórico, do objeto em questão, seja isso uma teoria, pessoa, objeto em si, de forma material para que se consiga verificar o que levou as condições atuais, as contradições que existiram, existem e deixaram de existir, para assim podermos ter um panorama real de como essas condições se comportam diante de diferentes circunstâncias.

Por exemplo, podemos, com muito trabalho, rastrear as famílias mais ricas brasileiras para uma origem de donos de escravos, pelo menos de forma geral, podemos também demonstrar que através da história o crime organizado sempre foi participante ativo do capitalismo, algo demonstrado pelo caso do PCC lavando dinheiro na Faria Lima. Podemos demonstrar ainda que quando o capitalismo chega próximo de um colapso ele recorre ao fascismo para sua manutenção, como mostra a Argentina com Milei, o Brasil com Bolsonaro, os EUA com Trump e no passado Itália com Mussolini e Alemanha com Hitler, ou até como a história de vida dos nossos pais e parentes explica muito dos comportamentos deles e a nossa explica os nossos, existe uma frase que eu gosto muito: “A história não se repete, mas ela rima”. Isso quer dizer que não vai ser tudo idêntico como o que veio antes, mas podemos ver padrões se repetirem.

Dialética: A dialética é sobre contradição e superação, ela demonstra que na nossa sociedade e na natureza existe sempre um tipo de antítese, e que tudo está em constante movimento, sempre tendo mudanças contínuas impulsionadas por essas contradições internas ou externas, voltando à frase que falei acima, nada se repete da mesma forma todas as vezes, nem na natureza e nem na história, sempre há mudanças, mesmo que pequenas por conta de inúmeras variáveis.

Por exemplo, a própria evolução das espécies: mutações podem ser benéficas ou não a uma espécie, dependendo do ambiente. As mutações benéficas se multiplicaram, e as não benéficas levaram à extinção daquele grupo como regra geral. Já na sociedade, a exemplo da questão da revolução ou revoluções, que pela contradição entre o burguês mercador e o senhor feudal fizeram necessária a mudança para o capitalismo, e como a contradição entre trabalhador e burguês leva ao surgimento do socialismo científico, ou, por exemplo, em um relacionamento parental saudável onde os pais impõem regras, de preferência quando possível através de acordos, pode haver a contestação ou teste dessas regras e então haverá a consequência por essa quebra de acordo, de preferência consequências naturais para a ação, e um novo acordo será feito.

E mais importante, como aplicamos isso no nosso dia a dia? Bom, acredito que os exemplos já devem ajudar com isso. No dia a dia, e especialmente em nossas análises políticas, precisamos, quando possível é claro, utilizar deste método para podermos ter leituras o mais corretas possíveis da realidade, devemos analisar a história do objeto de análise, suas condições materiais e então tentar através disso identificar suas contradições dialéticas e analisar os possíveis caminhos que este poderá seguir. Por que digo aplicar no dia a dia? Por que no fim se essa teoria estiver certa, ela se provará certa quando aplicada em qualquer situação vigente, ela poderá também demonstrar de forma clara e eficaz quais caminhos são melhores para prosseguir, e ainda mais importante, esse método pode nos atentar aos nossos próprios vieses e vícios/desvios, permitindo assim que possamos construir sobre as teorias do MHD e centralismo democrático (teoria de organização do partido de Lênin) de forma verdadeiramente eficaz, fazendo avançar a  teoria Marxista-Leninista (que em outro texto tenho que discorrer do por que, apesar de entender que é o nome histórico da nossa posição, esse nome é personalista e acaba nos fazendo cair nesse vício.) para que seja possível fazermos a revolução brasileira, podemos fazer isso perguntando sempre “por que” e “como” até exaurirmos os limites dessas perguntas.

Adendum: O MHD como um todo foi a ferramenta primordial para que Marx e Engels chegassem à conclusão acertada de que a força motriz por trás da transformação da sociedade humana é a luta de classes, mostra como essa contradição entre quem detém os meios de produção e quem não detém, gera uma contradição que força a roda da história da humanidade a girar. Especialmente por conta de como se formou o tribalismo na antiguidade, essa visão antagônica cria uma superestrutura e educação que, como diria um grande professor brasileiro, “quando a educação não é libertadora o sonho do oprimido é se tornar o opressor”, isso com a analise histórica do comunismo primitivo assim como a análise do socialismo idealista de sua época quando posto sob a lente do MHD demonstrou a possibilidade do socialismo cientifico, ou seja, o MHD é a base do pensamento “marxista”.

Yuri Faria – Militante da LCB