O fascismo penetra silenciosamente o Estado brasileiro.
Artigo de opinião por Pedro Venturini, militante da LCB.
As eleições de 2022 e a vitória de Lula jamais representaram uma vitória definitiva contra o fascismo. Nem mesmo o processo judicial que condenou Jair Bolsonaro e os generais pelo crime de tentativa de golpe de Estado afasta essa hipótese. Enganam-se aqueles que acreditam que a democracia brasileira não está sob constante risco. A demonstração mais clara disso é que, passados apenas oito dias do julgamento que condenou a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, um complexo acordo vem sendo articulado para levar a cabo um projeto de anistia e redução de penas aos golpistas.
O fato de haver um presidente do campo popular democraticamente eleito não significa a existência de força política suficiente para refrear os acordos indigestos organizados por deputados, representantes da burguesia e magistrados. Não obstante este acordo de anistia aos golpistas de extrema-direita — fato que claramente representa o avanço das forças reacionárias — há também um crescente clima de perseguição a ideias de esquerda na sociedade. Basta ver a chamada campanha “Demita um extremista”, lançada pelo empresário e coach Tales Gomes. Segundo essa campanha, empresários devem demitir funcionários que tenham feito postagens positivas em suas redes sociais em relação à morte de Charlie Kirk.
Essa campanha segue o modus operandi da extrema-direita estadunidense, que deseja cercear o direito à liberdade de expressão de trabalhadores em um espaço fora do ambiente de trabalho. Tales Gomes, empresário que recentemente foi afastado do cargo de CEO da G4 Educação após ter dito “Deus me livre de mulher CEO”, é também declaradamente monarquista e anarcocapitalista. Uma incongruência que somente a extrema-direita poderia produzir: afinal, coerência não costuma ser o forte dos que se filiam a tais ideais. Não à toa, Gomes tornou-se um dos principais defensores, no Brasil, do defunto Charlie Kirk, pois reconhece nele a ausência dos mesmos ideais humanistas, iluministas e racionalistas.
Se, por um lado, há espaço de sobra para manobras legislativo-jurídicas visando à anistia dos golpistas de 8 de janeiro, por outro, há um endosso a perseguições e demissões de trabalhadores por expressarem sua opinião nas redes sociais. Este duplo movimento representa a fragilidade da democracia burguesa, uma vez que ela é orientada pelos interesses de uma única classe social, que se vê representada em todas as instâncias de poder do Estado — desde o Legislativo, passando pelo Executivo até chegar ao Judiciário.
O fascismo é, notoriamente, um fenômeno político-social que se baseia na estrutura do Estado burguês para avançar sobre a sociedade. Ao mesmo tempo em que não representa os interesses da totalidade da burguesia, torna-se porta-voz dos setores mais reacionários e, aos poucos, se aparelha da estrutura estatal para fazer avançar seu programa ideológico. Avança silenciosamente pela máquina do Estado, ocupando cada vez mais espaço, enquanto trava batalhas abertas nas trincheiras do campo social.

O que devem fazer os comunistas neste cenário?
Diriam os fariseus:
“Somente poderemos superar a ameaça do fascismo ao superarmos o Estado burguês através da construção de um Estado popular, o Estado socialista.”
Há de se concordar que estariam certos, se não estivessem completamente errados. O erro dos fariseus, dos sectários e daqueles que se distanciam das lutas concretas do povo trabalhador passa, dentre outras coisas, por sua leitura falha da conjuntura nacional. Pensar que devemos aguardar as condições ideais de construção do Estado socialista para então enfrentarmos o crescimento do fascismo é entregar a guerra antes de travar sequer a primeira batalha. É preciso compreender que, na atual conjuntura, não há força política para a superação do Estado burguês (independentemente da forma como ocorreria sua superação). A conjuntura atual é a do crescimento das forças reacionárias, reagrupadas para disputar espaço dentro da sociedade na tentativa de se tornarem hegemônicas.
Se a extrema-direita, os interesses burgueses e o fascismo crescem no seio da sociedade brasileira, não é possível falar em terreno fértil para a superação do Estado burguês. A luta popular, a luta em defesa dos interesses da classe trabalhadora, deve ser travada dentro das condições possíveis para a formação de um bloco de poder capaz de superar o Estado burguês. Mas tal luta não será sectária nem dogmática. Para que se possa superar o atual estado de avanço das forças reacionárias, é preciso, dentro das condições atuais, realizar o enfrentamento ao fascismo, a mais reacionária das expressões burguesas.
Superar o sectarismo é uma necessidade urgente das organizações de caráter marxista-leninista. É preciso que as divisões internas de nosso campo (resultado de anos de perseguição política e provocação externa) sejam superadas no sentido da construção de um partido revolucionário de vanguarda. É preciso que o partido da vanguarda da classe trabalhadora se conecte com as lutas do povo brasileiro de modo a influir sobre a política nacional. A superação desse estágio de divisão interna somente é possível afastando qualquer sectarismo e messianismo. É necessária uma compreensão aprofundada da atual conjuntura e da correlação de forças. A leitura da conjuntura não pode ser apenas uma repetição de conceitos: deve ser um exercício crítico enraizado nas condições materiais, políticas e sociais.
Tais compreensões somente são possíveis para um partido que não se compreenda como um ente afastado da classe — como se sobre ela pairasse. Mas, sim, para um partido composto por militantes que são eles mesmos parte da classe trabalhadora e, portanto, estão inseridos em sua realidade material. Por isso, compreendem-na como outros não são capazes de compreender. São sua vanguarda não por autoproclamação, mas por serem os representantes mais preparados de seus interesses.
A construção do partido de vanguarda da classe trabalhadora passa por inúmeras mediações com os interesses da própria classe — ora mais avançados, ora mais retraídos. É papel do partido de vanguarda compreender esses interesses para que possa fazer avançar o grau de consciência dos trabalhadores. Fazer avançar, assim, a luta do proletariado: a luta da classe trabalhadora pela construção do socialismo.
Esse processo de mediação inclui a compreensão das necessidades imediatas da classe e se afasta de idealizações e de comportamentos pequeno-burgueses. Aceita que, para fazer avançar a luta, é preciso construir uma longa marcha. Tal percurso enfrentará dificuldades, e estas devem ser superadas com políticas de alianças, em articulação com partidos do campo popular, com o movimento de massas. Tais mediações passam por alianças eleitorais tanto dentro dos sindicatos, centrais sindicais e movimento estudantil, quanto pela disputa de cargos dentro da própria estrutura do Estado.
Em um momento de recrudescimento da luta, de crescimento das forças reacionárias e do fascismo, um partido que se isole, que não lute pela construção de uma frente popular e democrática contra o fascismo, um partido autorreferente, afasta-se dos interesses da classe trabalhadora. É preciso construir a luta contra o fascismo dentro do campo político e dentro do campo ideológico. Mais do que nunca, é necessário organizar a classe trabalhadora em torno de projetos que defendam seus interesses e façam avançar seu grau de consciência.
